As conseqüências políticas do analfabetismo funcional do brasileiro

Eu tenho espírito de corno: sou sempre o último a saber das primeiras. Era assim na escola, na faculdade, no primeiro emprego, no segundo emprego, na vida em geral. Só venho a conhecer o que quer que seja polêmico quando todo mundo já sabe há tempos. É da minha natureza, não tenho como fugir. E por essa falta de conexão social, fui mais um dos brasileiros enganados por Bolsonaro e seus asseclas. Mas não, talvez, como o leitor imagine.

Conforme escrevi em ”A falácia sobre a educação”, ”Discussão e debate no país dos analfabetos” e em meu projeto de monografia de especialização em docência, o Brasil vive uma grave crise de analfabetismo funcional. Até mesmo pessoas com dois ou mais doutoramentos são incapazes de compreender o que lêem. Os trabalhos realizados em nível superior têm desprezíveis citações por papel e não contribuem efetivamente para o progresso científico. As instituições não preparam para o mercado de trabalho (tema de meu TCC), nem ao menos estão sintonizadas com as demandas do mesmo (ver: Um exército de doutores desempregados). Hoje em todos os níveis temos uma formação acadêmica precária, mas eficientemente projetada para servir como mecanismo de reprodução de idéias dominantes (Relações de poder no mundo acadêmico)

Esse fato agrava-se com a peculiar queda na capacidade intelectual do brasileiro médio (Brasil, um país de gente estúpida.). Não bastasse sua incompetência racional, devido a múltiplas causas, esta é agravada por sua baixa capacidade cognitiva. Não estamos mais tratando apenas de pessoas que não aprenderam a raciocinar, a inquirir, a questionar, a duvidar. Estamos também tratando de indivíduos intrinsecamente inaptos. Não é apenas não saber como, é não ser capaz de tanto, tais como as crianças com prejuízo cognitivo em minha postagem Deficiência de aprendizado infantil. Nesse caso, os prejuízos na construção da cidadania são irreversíveis, permanentes. E, como vimos nas últimas semanas, perigosíssimos.

Nesta era da informação em que a cada segundo nada é mais obsoleto que o dia de ontem, a quantidade de dados a que somos continuamente expostos é imensurável. A disputa pela audiência dos grandes meios de comunicação tem como principal rival a velocidade das redes sociais. Entremeadas ao consolidado 4º poder da imprensa e da mídia, penetram as Big Techs, que com seus algoritmos impelem e restringem dados conforme seus interesses. Não havia checadores de fatos quando somente a grande mídia falava e a massa escutava. Sob aparente liberdade de expressão, oculta-se um fortíssimo mecanismo de controle, censura e engenharia social.

Nesse cenário timidamente surgiu a onda conservadora no Brasil. Após décadas de aplicação da cartilha gramsciana (controle social por meio do controle cultural – universidades, meios de comunicação, artes), durante a chegada das ondas neomarxistas pós-modernas (feminismo contemporâneo, ações afirmativas de raça, ideologia de gênero, relativização da moralidade, hook up culture, rejeição ao patriotismo e soberania nacional) oriundas dos Estados Unidos e Europa ocidental, irromperam as sementes do conservadorismo. Vozes mudas vociferavam contra a degradação dos valores fundamentadores da sociedade. Sem haver um representante, alguém que pudesse se fazer ouvir, o grito de basta estava preso na garganta, até o surgimento excepcional de Jair Bolsonaro.

Apresentando-se como irascível, briguento e não corrompido pela cleptocracia, vimos nele alguém que iria por nós ”comprar a briga”, lutar para afastar de nossa nação o mal que há tanto se impunha e somente há pouco descobríamos. Ele seria a ponta da lança e seus apoiadores a força de que necessitava. Descobríamos o ”teatro das tesouras”, descobríamos Olavo de Carvalho, descobríamos o Foro de São Paulo. E ele, somente ele, estava disposto a lutar contra isso tudo. #Elenão perdeu e acreditávamos que o sonho do país do futuro finalmente chegaria. Mas não foi assim.

De um lado a mídia é cooptada e parcial. Não temos mais órgãos de imprensa, temos apenas militantes políticos, a maioria vinculada ao neomarxismo. O grupo Globo apresenta pautas contra a família e os bons costumes, a CNN é abertamente defensora do Partido Democrata estadunidense e o Grupo Bandeirantes tem parte significativa de seus ativos controlada pelo Partido Comunista Chinês. O SBT, a Rede Record e a Jovem Pan não possuem uma linha editorial consistente e alinham-se conforme a situação. Ou seja, ao recebermos informações da grande mídia estamos sendo desinformados, ou ao menos tendo as informações manipuladas, deturpadas.

Dois pesos, duas medidas. E a Lei 13.260/2016 discrimina explicitamente que ambos os atos não são terrorismo.

Nesse contexto, optei por obter minhas informações por meios alternativos e, tal como muitos, caí na teia da desinformação bolsonarista. E aqui está a diferença entre mim e boa parte da população: não fui enganado, mas sim não fui suficientemente informado.

Eu critiquei abertamente o governo Bolsonaro por sua inépcia em defender aquilo ao que ele se propôs em vários momentos:

E também quando não cumpriu suas promessas de campanha:

Mas me mantive fiel ao pressuposto de quando votei nele:

Em um cenário de profunda e contínua desinformação tanto pela oposição quanto pela situação, o homem médio brasileiro se viu cerceado da possibilidade de fazer bons julgamentos de valor. Os muitíssimos erros de Bolsonaro foram acobertados por seus seguidores, enquanto que inverdades eram inventadas por seus opositores. Às cegas, não vimos o que estava surgindo no Brasil. Nesses últimos quatro anos a polarização e a radicalização intensificaram-se ao ponto de que não foi mais possível diálogo civilizado. Embora eu tenha percebido que havia uma questão de fé envolvida (Dando nomes ao gado (Texto 2 de 3)), não tinha dimensão de seu tamanho. Acreditei que as manifestações em favor do então presidente não eram diferentes das manifestações contra-revolução de 1964, ou seja, famílias defendendo os valores tradicionais. Porém as eleições demonstraram o bolsonarismo ser muito mais do que isso.

O analfabetismo funcional, associado à baixa capacidade intelectual e a desinformação formaram o ambiente propício para que a figura do ”salvador da pátria” fosse piamente idolatrada. Bolsonaro apoderou-se de elementos da religiosidade, da imagem ainda bem considerada das forças armadas e do discurso de uma economia liberal para formar sua figura pública. Apoiadores em mídias alternativas ajudaram-no a capilarizar organicamente apenas a imagem que lhe favorecia, ocultando todas as traições que ele fez ao povo brasileiro. Sim, Bolsonaro traiu todos aqueles em que nele votaram e somente agora após ter saído do poder estamos vendo quem realmente ele é. Ao centralizar sobre si, e somente sobre si, um nome viável para a disputa das eleições, permitindo que diversos outros conservadores fossem censurados, Bolsonaro ajudou a matar a incipiente formação de uma direita de verdade no país.

E também estamos vendo o que o bolsonarismo realmente é. Vemos o fanatismo de um povo inepto e ignorante que tornou política em matéria de fé. As pessoas não acreditam em verdades, as pessoas acreditam naquilo em que querem acreditar. Estão tão insortas na histeria política coletiva que já não mais vêem o que está diante dos seus olhos. Que seu líder era falso. Que enquanto ele bradava ser a favor da família e dos bons costumes, destruía os mecanismos de combate à corrupção e sancionava medidas deletérias ao futuro. Que foram usadas como massa política, exatamente como os militantes do MTST. Que o bolsonarismo é exatamente igual ao lulopetismo, apenas mudando as cores. Que o capitão abandonou o barco.

A conseqüência política do analfabetismo funcional se mostra temerária. Tornamo-nos um povo facilmente manipulável. Vivemos às cegas num país onde não sabemos de onde podemos obter informações fidedignas. A grande imprensa não é mais crível. Ao obter informações da mídia paralela, eu mesmo fui logrado. Um exemplo meu foi no texto Generais-melancia? onde acuso Silas Malafaia de ter instigado a permanência de pessoas nos quartéis. Obtive essa informação de um dos apoiadores de Bolsonaro, e acreditei que era verdade. Isso me alertou que ambos os lados são mentirosos (e que também cometo erros levado por emoções políticas…).

Acreditei sim que ele estava defendendo a direita, pois desconhecia suas traições convenientemente acobertadas por seus seguidores (a quem eu escutava). Minhas críticas se referiram somente ao seu estilo de governo, acreditando que ele não estava sendo forte o suficiente, quando na realidade ele estava fortalecendo o que jurou combater. As boas notícias da economia, da infra-estrutura, dos programas sociais estavam à frente das notícias administrativas. E também fui enganado.
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Donde pergunto: onde obter informação, quando todos somente informam o que lhes convém? Se eu que tenho algum raciocínio fui logrado, o que dizer do homem menos afortunado? O que ver, o que ler, o que ouvir? Mesmo se tivéssemos informações imparciais, a maioria esmagadora da população não saberia o que fazer com ela. Ainda mais agora que não podemos fazer mais nada (Brasil, um país de efeminados).

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