O povo no poder – Uma crítica ao governo de Jair Bolsonaro

(Atualizado em 26/04/2020)

Interessante notar que praticamente não há leitura de meus textos exceto por meus amigos próximos. Por um lado, fico feliz em ver que tenho amigos que se importam comigo. Por outro lado, fico triste ao reconhecer que nenhum de meus textos irá ”viralizar”, se é que esse termo continuará a ser usado após a pandemia que ora ocorre no mundo.

Nem um belo texto em prosa poética, como O que é filosofia?; nem um texto de maior profundidade ética e estética, como Gosto se discute, sim; nem um estudo mais aprofundado sobre educação e política, como Discussão e debate no país dos analfabetos; nem a explicitação da baixaria (Impávido Colosso +18) atraem atenção ao meu conteúdo.

Ainda assim, preciso escrever. E aproveitando o ensejo dos dois textos anteriores, sigo.


Quais são os motivos pelos quais eu não acredito que a solução apresentada pelo Presidente Jair Bolsonaro de acreditar no sistema democrático brasileiro funcionará?

Bolsonaro externa que esta talvez seja a última (ou primeira) oportunidade para o Brasil se constituir como uma nação ”democrática”, ou seja, em que o povo finalmente tenha voz, veto e poder. Para tanto, ele insiste que as pessoas compreendam que precisam dar mais valor a quem escolhem em suas eleições. Ele está demonstrando que não adianta apenas o eleitor escolher um presidente alinhado com sua vontade, com seu matiz ideológico, com sua perspectiva de vida. Também é necessário que se escolham CORRETAMENTE e RESPONSAVELMENTE os deputados e senadores, os congressistas, que também comporão o governo e o dividirão com a presidência, representando cada um seus eleitores dentro do sistema democrático escolhido na última constituinte.

Almeja-se que esse balanço evite poder demasiado a apenas um membro e permita que as vozes mais variadas sejam ouvidas dentro do congresso.

Bolsonaro está seguindo exatamente o que prometeu nas eleições: ”no que depender de mim […]”. Solicitar que se fechem o Congresso e o STF nas condições atuais é descabido. Ele não tem o direito de cassar o cargo daqueles que não concordam consigo e com seu projeto, afinal eles também foram eleitos pela população que assim lhes deu legitimidade representativa.

Ou seja, o atual presidente não tem o direito de simplesmente desacatar os votos* que levaram outras pessoas ao poder, desconsiderar a representatividade delas e fazer o que bem entende. (* a vontade popular por eles expressa)

Portanto, se há desentendimento entre o Congresso e a Presidência, cabe AO POVO cobrar e reivindicar de seus políticos e dos partidos atitudes para ajudar a resolver a situação.

Não é só fazer a ”festa da democracia” e deixar rolar a ressaca por quatro anos. Cabe AO POVO a contínua cobrança de resultados dos políticos eleitos. Os presidentes das casas legislativas foram lá postos pelos congressistas ELEITOS pelo povo. Os ministros foram lá postos pelos presidentes ELEITOS pelo povo.

Foi o POVO que elegeu os deputados federais que lá puseram Rodrigo Maia. Foi o POVO que elegeu os senadores que lá puseram Davi Alcolumbre. Foi o POVO que elegeu os presidentes (desde Collor) que indicaram os ministros do STF.

Esses ministros decidiram que a responsabilidade de decisões administrativas locais quanto da crise atual na saúde pública cabe aos governadores e prefeitos. Que foram eleitos pelo POVO. Logo, cabe ao POVO cobrar de seus governadores e prefeitos soluções para os problemas atuais. E do mesmo modo que o presidente é cerceado em suas ações pelos deputados e senadores, os governadores o são pelos DEPUTADOS ESTADUAIS, e os prefeitos, pelos VEREADORES de seus respectivos estados e cidades.

Se há descontentamento com a ação de governadores, cabe às suas respectivas assembléias legislativas a fiscalização das ações e contrabalanceamento frente ao poder executivo local.

É a eles que devem ser dirigidas as queixas, não ao presidente. Cabe ao POVO exercer o seu poder. Não pode se dar que todas as vezes em que as coisas vão mal, o povo precise ser tutelado pelas forças armadas, como uma criança que precisa de babá para fazer o dever de casa. Já passa do tempo de nos tornarmos uma democracia MADURA, em que o poder pertença ao povo e seja efetivamente em seu nome exercido.

Em tese.

Bolsonaro está esquecendo outra questão, que exponho em primeira pessoa agora, respondendo à pergunta.

Eu não acredito que isso funcionará porque eu não acredito neste sistema eleitoral. Isto é, eu não acredito no TSE nem nas eleições no Brasil. Não acredito em urnas que não podem ser aferidas, não acredito em votos que não podem ser contados, não acredito no sistema judicial brasileiro.

Quem me garante que eles receberam mesmo tantos votos? Quem me garante que meu voto foi para quem eu votei? Quem me garante que aqueles deputados e senadores que lá estão foram eleitos verdadeiramente? Quem me garante que não há sistema de compra de votos? Quem me garante que não há acordos espúrios no sistema eleitoral de um país que viveu tanta corrupção por tanto tempo?

Ao longo dessas décadas de baixaria, tanto a obesa, paranóica e esquizofrênica carta magna brasileira quanto as leis infra-constitucionais foram arrombadas e emendadas repetidamente com durepóxi e fita crepe. Jabuticabas postas e retiradas ao gosto gastronômico dos ”chefes” da vez, temperadas aos sabores de pizzas e panelinhas, resultando numa refeição intragável que somos obrigados a engolir.

O sistema foi corrompido, tornou-se corrupto e agora é corruptor: aqueles que se recusarem a entrar no esquema não têm meios para fazer nada a que se propõem. Eis o caso de Bolsonaro. Nenhuma de suas pautas, nem mesmo as mais (aparentemente) inócuas, passou incólume ao crivo da corrupção endêmica brasiliense.

Desde coisas simples como o seguro DPVAT, que descobrimos ter ligação com certo magistrado do STF, a pautas contra o aborto, que em breve poderá ser legalizado por tal tribunal; desde a flexibilização das armas, sem dar bolsa-pólvora como muitos crêem, ao fim da multa por falta de cadeirinha infantil no carro. Tudo o que ele tenta fazer é motivo para crise política. Ou no mínimo ingerência judicial.

O mesmo vale para governadores e prefeitos. O Ministério Público faz e acontece, juízes de primeira instância revogam/anulam/extinguem/desfazem ações dos chefes do executivo. Tudo o que precisam/querem fazer necessita de autorização do judiciário: são como uma criancinha que pede se pode ou não brincar no quintal. E dependem do bom humor do juiz ou do promotor de plantão. Abrir vias públicas ou questionar legalidade de pedágios não podem. Já ações ditas autoritárias, como prisões em praias e praças, gravatas em comerciantes, mães de família algemadas com crianças, parecem não fazer parte de suas alçadas…

Juízes que crêem serem deuses, desembargadores que têm certeza de que são, ministros que se consideram os próprios faraós. E vivem luxuriosamente como tais, enquanto que cá embaixo não temos lagosta à mesa ou carros privativos. Fazem e acontecem sem jamais serem investigados. E, quando o são, por seu foro privilegiado, são investigados por seus próprios pares e possivelmente condenados à aposentadoria integral. Poder não eleito organizado num sistema corporativista quase feudal, em que vassalos e suseranos garantem mutuamente sua imunidade (ou impunidade), arrogantemente e insolentemente acima das leis morais que deveriam bem conhecer.

E quem vigia os vigias? A imprensa é um caso à parte. Pouco importam os maus atos do judiciário. E os bons juízes e operadores do direito são ignorados ou renuídos conforme melhor convier à pauta do dia.

Sem os bilhões em cala-boca, ignorando seletivamente o que não lhe favorece a narrativa, cada suspiro do poder executivo central é sumariamente repudiado. Nos governos FHC, Lula e Dilma, definitivamente não houve uma cobertura tão intensa sobre cada passo do presidente e de seus ministros, tampouco críticas tão ferrenhas e investigações tão minuciosas. Talvez se tivesse havido tal pente fino, não teriam existido os esquemas de desvio de dinheiro que quebraram o país. No que percebemos, enfim, que a imprensa foi cúmplice de tanta roubalheira.

A Globo faz um trabalho absolutamente parcial. Não difere nem um pouco do início da história do jornalismo no mundo. (No início eram panfletos políticos que para angariar recursos faziam propaganda.) Já a Band foi comprada pelo Partido Comunista Chinês e agora vomita propaganda daquele governo. E a CNN chega ao Brasil já despejando esquerdismo e pautas ideológicas.

Ou seja, tanto o sistema interno (leis, regimentos, acórdãos e acordões) de nosso inchado e desproporcionalmente poderoso judiciário quanto o sistema externo (imprensa) são podres. Por isso não acredito em nosso sistema eleitoral nem acredito que ele represente de fato a vontade da população.¹ Além disso, eu não quero acreditar que a população seja tão estúpida para votar nesses canalhas. Mas, se for, isso indica que não é madura o suficiente para escolher seus governantes. Ou pior, a maioria é cúmplice: deseja um dia ingressar no esquema.

E quem pode mudar esse sistema? Os próprios que lá estão. Isso é rir da minha cara…

Eu particularmente creio que o Brasil ainda precise de tutela militar. Ao menos para retirar os corruptos corruptores e os imorais do poder que ora parasitam e garantir eleições livres e limpas.

Não sei se Bolsonaro cairá ou não. Graves acusações lhe são feitas. Muitos antes temerosos hoje sorriem por sua inércia.

Não enfrentar frontalmente de frente postergou ainda mais a saída da nação do lodaçal. Esperamos há muito tempo. Estamos impacientes.

E continuamos a ser o país do futuro que nunca chega.

Onde há receptadores, há vendedores.

¹ E mesmo se para minha surpresa o processo for honesto, se houver lisura, o sistema eleitoral para metade do legislativo é de puxa-votos (votação indireta): um sujeito X que recebeu MENOS votos que Y entra por conta do partido, por conta dos votos de outra pessoa.

Para saber mais:
https://pragmatismo.jusbrasil.com.br/artigos/142294291/nem-sempre-e-eleito-quem-tem-mais-votos

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