O governo de Dilma Rousseff chegou ao fim. Não, o impeachment ainda não foi votado e, mesmo se tivesse sido votado, não creio que ela seja destituída por tal processo. Refiro-me à indicação do Excelentíssimo Senhor Luís Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República e Presidente de Honra do Partido dos Trabalhadores para assumir o cargo de Ministro da Casa Civil.
Dilma Vana Rousseff
Numa República que pela primeira vez tem uma presidente mulher, vemos a incongruência de a Chefe de Estado ter MEDO de fazer um pronunciamento público no Dia Internacional da Mulher. Medo de panelaços, medo de protestos, medo de ser mal interpretada ou outro medo qualquer. Seja qual for a razão, a inexistência de um pronunciamento oficial de Dilma no Dia da Mulher demonstra que a “Mulher Guerreira” não é tão corajosa assim. E coragem é uma qualidade necessária aos Chefes de Estado, independentemente da situação política em que estejam. Não possuí-la se traduz como ingovernabilidade.
Outra mostra da inviabilidade do governo Dilma ocorreu poucos dias após milhões de pessoas marcharem nas ruas pedindo o impedimento da Presidência, bradando palavras de ordem contra a própria Presidente, contra Lula e o Partido a que são filiados. Como é possível ao mesmo tempo um governo afirmar estar dialogando com as ruas e contraditoriamente empossar num ministério curinga exatamente aquele que uma parcela significativa da população rejeita veementemente?
Minha opinião é clara: ou isso significa total descaso com a opinião pública, ou é evidente uma manobra política para seja dificultar o impedimento da Presidência, seja proteger o próprio nomeado. Não há, em meu ver, benefícios em inflamar ainda mais a já acalorada altercação política que o Planalto enfrenta há dois anos e meio. Nomear Lula é, para Dilma, assumir que não consegue mais governar por conta própria, não é capaz de dialogar com a oposição, não é capaz de lidar com os movimentos populares e seus anseios, não é capaz de ser Chefe de Estado.
Dilma está incapacitada para governar o país. Não possui o apoio político necessário para realizar qualquer mudança ou ação que vise encerrar a estagnação em que o país está mergulhado. Com a chegada de Lula a esse Ministério, na prática o país tornou-se um parlamentarismo e ele o Primeiro-Ministro de fato. Agora suas ações possuem legitimidade: ao atuar como o principal articulador político, ele assume uma das funções da Presidência da República, e Dilma torna-se oficialmente testa-de-ferro, ficando em segundo plano, limitando suas próprias ações a ratificar o que seu subordinado assim decidir.
Antes apenas cogitávamos/deduzíamos que Dilma era testa-de-ferro dos reais governantes do país, mas agora temos certeza disso por causa dos movimentos institucionais que ela acaba de fazer. Tal escolha de Lula como Ministro evidencia de forma clara e inequívoca a inépcia governamental do grupo que ora está no poder, liderados de forma simbólica (ou não) por Dilma.
Bóris Casoy fez um comentário bastante pertinente sobre o caso: um ministro é alguém que pode ser nomeado e destituído de seu cargo segundo discricionariedade da presidência, porém, no caso de Lula, é impensável que Dilma exonere-o de seu cargo. Torna-se, portanto, “ministro permanente”, uma anomalia política.
A terceira evidência da inviabilidade do governo de Dilma é o modo como instâncias inferiores estão agindo. Os governos de Estados e Municípios estão atuando descompassadamente, sem demonstrar qualquer orientação política. O caos que se originou e se alojou no Governo Federal desestabilizou ainda mais o já fragilizado sistema político infra-estatal. O mau uso de recursos, a recessão econômica e a ineficiência dos governantes refletem-se diretamente na perda da qualidade de vida das famílias, retrocedendo as conquistas sociais dos grupos mais pobres e dilapidando o patrimônio dos mais abastados.
Mas a economia em frangalhos é o menor dos problemas dentro de uma visão institucional. O que realmente ilustrou a ausência de liderança e respeito à hierarquia de Estado foi o vazamento do grampo telefônico no qual se envolveu diretamente a Presidência. Não interessam quais sejam os motivos, nem quais sejam os objetivos. Não importa. O fato é que a Presidência da República teve uma ligação grampeada e divulgada.
Disso infere-se que:
a) Um juiz de primeira instância pôde autorizar tal ato;
b) A Presidência e sua assessoria não foram consultadas/informadas;
c) As ligações PUDERAM ser grampeadas. E ainda mais: divulgadas.
Como é possível que a Chefe de Estado e das Forças Armadas tenha tido um telefonema grampeado e ninguém soube disso? Essa é a mais pura evidência de que não há segurança da informação dentro do Estado Maior, mesmo após termos sido alvos de espionagem internacional.
E mais, como pôde ter sido autorizada a divulgação de tal ligação? A insubordinação neste caso é inadmissível, pois todo ato do Chefe de Estado é revestido de especiais prerrogativas supra-legais. Um juiz de primeira instância jamais poderia ter agido de tal modo.
Sem condições de governar, sem ter sua autoridade respeitada e transferindo o poder de fato para outro, o governo de Dilma Rousseff acabou.
Luiz Inácio Lula da Silva
Lula fez uma péssima escolha ao aceitar assumir o Ministério da Casa Civil. Analisemos.
O Ministério da Casa Civil é, por si, um cabide-de-empregos. É uma função curinga, um auxiliar à Presidência da República, sem função específica definida. Uma forma de os assessores diretos da Presidência terem poderes equivalentes aos de Ministros. Em nosso país, temos três instituições com funções equivalentes: o Ministério da Casa Civil, a Secretaria de Governo e o Gabinete Pessoal da Presidência. Para quê alguém precisa de tantos assessores?
Assumir tal função que “nada” faz, função já desempenhada por Dilma Rousseff, significa neste caso usar a máquina pública para recolocar-se dentro do governo, retornar ao poder usando meios burocráticos e não o voto popular. Usar a inchada e saturada máquina estatal que ele próprio ajudou a construir para voltar a fazer parte diretamente dela, uma estrutura viciada de governo, que hoje é severamente contestada pela exaltada e desgostosa parte da população pró-impeachment.
Ao assumir o Ministério, Lula também indiretamente assumiu a culpa no caso da Lava-Jato. Não há qualquer motivo premente para Lula assumir esse Ministério neste momento. Se o objetivo fosse auxiliar a desenlaçar a crise política, poderia ter assumido ano passado, quando começaram a delinear os argumentos de impedimento contra Dilma. Lula, à época, preferiu manter-se longe dos holofotes, com vistas a preservar sua própria imagem e desvinculá-la da podridão que infecta o PT, e dos escândalos de corrupção que estão sendo desvelados.
Agora, logo no momento em que as vozes das ruas já estão contra ele, para que usar tal subterfúgio? O motivo mais crível é fazer uso do foro privilegiado que tal função lhe proporciona para ser julgado em instâncias especiais. Disso também podemos concluir que o Supremo Tribunal Federal, instituição maior do Judiciário, seria, portanto, um tribunal mais “fácil” de lidar. Ora, pois se Lula preferiu não ser julgado em alçadas inferiores, isso seguramente indica que no STF Lula pode melhor se defender das suspeitas de corrupção.
Do sistema Judiciário, Sérgio Moro e Polícia Federal
Considerando que ministros do STF foram indicados pelo PT e que juízes do STJ também foram indicados pelo PT, os assomos verborrágicos dos magistrados contra as imputações de fraqueza não passam de chiliques por brios feridos. Nosso sistema judiciário caiu frente ao que no âmbito do Direito chamamos de “Síndrome do Holofote”. Basta que haja interesse da imprensa para que os operários jurídicos comportem-se como formigas assopradas.
As desmedidas, erros e arbitrariedades no processo da Lava-Jato são uma cornucópia de estudos jurídicos sobre os quais os alunos de Direito se debruçarão pelos próximos anos (ao menos até outro processo famoso conseguir fazer algo ainda pior). O processo tem tantas falhas que nem ao menos se entende como avançou tanto. Chegou-se ao ponto de a faculdade de Direito da USP fazer uma manifestação para chamar a atenção da necessidade de preservar a legalidade e a formalidade nos processos jurídicos, ainda mais em um processo de tamanha repercussão.
O cúmulo foi o grampo telefônico da Presidência da República e sua divulgação, assunto que tratei anteriormente. O fato de um juiz de baixo escalão ter autonomia e audácia para interferir diretamente em matéria de segurança nacional expressa a megalomania do sistema judiciário brasileiro.
Não estou questionando as intenções do juiz Sérgio Moro, tampouco me importa se tal divulgação das escutas seria matéria de interesse nacional. O Chefe do Executivo tem prerrogativas especiais que não poderiam ter sido violadas desse modo. Ocorre que o afã da população sedenta por um Judas a ser malhado, de certo modo, permite e aprova controversas deliberações de um judiciário que, supostamente, está combatendo as irregularidades de nosso país. Concedem, portanto, de forma anômala, poderes extraordinários ao juízo, autorizando-o a olvidar a formalidade do processo, valendo-se da máxima: “os fins justificam os meios”.
Essa conduta é temerosa, pois nesse cenário as leis, em especial as processuais, podem ser interpretadas e aplicadas da forma que melhor convier ao juiz, desde que aprovada pela opinião popular. Perdem-se, portanto, as garantias jurídicas de ampla defesa, de dubiedade pró-réu, de presunção de inocência e outras. Até que ponto um juiz pode agir fora dos parâmetros legais, fundamentando suas ações no interesse público?
A “Síndrome do Holofote”, comumente vista em casos de crimes de grande repercussão, atrapalha em muito o andamento do processo judicial. Defendo que é necessário ao juiz sobriedade durante todo o curso do processo, bem como defendo que todas as decisões judiciais devam ser examinadas para evitar excessos como os que ora se vêem. A interferência do judiciário em matéria de competência exclusiva do executivo é prova disso.
No Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando de Souza (Pezão) enfrenta mandos e desmandos do Ministério Público, que exige que seus salários sejam pagos antes de todo mundo. No Município do Rio de Janeiro, Eduardo da Costa Paes não pode decidir nada que logo vem o Ministério Público revogar sua decisão. Afinal, quem administra? Os governadores ou os juízes? Até que ponto o judiciário pode interferir nas decisões administrativas? Não cabe a um juiz determinar o que o Governo deve fazer. Para isso há divisão dos poderes. Os governantes foram nomeados para seus cargos por eleições e suas ações são legítimas.
Agora o aparelho judiciário embebido em polêmica quer impedir a todo custo a posse de Lula. Ora, a única pessoa a quem compete essa decisão é a Presidente Dilma Rousseff. Ninguém pode proibi-la de nomear alguém legalmente. É uma manobra? É um descabimento? É moral? Nada disso interessa. É legal, é discricionariedade dela, e deve ser cumprida enquanto ela estiver no poder.
Isto é um Estado de Direito. Há regras. Muitas das quais a gente não gosta, mas mesmo assim são as regras. Não foi declarado Estado de Exceção (previsto na Constituição de 1988 em duas variações, o Estado de Defesa e o Estado de Sítio). Defendo que se há regras, elas devem ser respeitadas. Ou há regras, ou não. Ou o Estado é de Direito ou não. Se for declarado um golpe, se o regime político mudar, se o Estado cair, aí é outra coisa. Mas se existem regras elas devem ser respeitadas. O que vale para um, vale para todo mundo, em qualquer situação. Se não for assim, então que se declare que as regras mudaram. Eu não defendo o Estado de Direito, nem sou legalista. Apenas não sou hipócrita.
Nem acovardado.
Quanto à Polícia Federal, escola de suicidas, ela nunca antes sofreu tanta pressão. Como é possível que um órgão de tamanha importância e função correcional seja vinculado e SUBORDINADO ao Ministério da Justiça? Como se espera que os policiais possam executar bem seu trabalho cercados de picuinhas, abusos de poder, troca de favores e influências políticas por todos os lados? Aqueles profissionais precisam imediatamente de orçamento próprio e desvinculação do Ministério; precisam da formação de uma autarquia absolutamente independente, de modo a garantir a liberdade necessária para bem trabalhar em prol da segurança nacional, e bem combater os crimes federais.
Já quanto aos excessos dos policiais, a função de policiais investigativos é investigar e, no que depender deles, eles revirarão cada detalhe da vida dos suspeitos. Cabe ao judiciário limitar e fiscalizar as ações dos delegados e de seus agentes, evitando assim os excessos. Se há excessos, eles principiam na permissividade do sistema jurídico.
Eduardo Cosentino da Cunha
Eduardo Cunha foi esquecido, ou no mínimo deixado de lado. Outros protagonistas entraram em cena e se tornaram o foco do espetáculo. Conseguiu esconder-se bem e sair do centro das atenções. Agora tem como meta a celeridade dos processos na Câmara, algo bastante peculiar para quem não tem nem um pouco de pressa em ver seu próprio processo de cassação julgado.
O detalhe mais interessante no caso dele é que Eduardo Cunha está em seu direito. Pode ter cometido uma série de imoralidades dentro e irregularidades fora do Congresso, mas todo o processo de seu julgamento está seguindo os trâmites corretos. Suas manobras nada mais são do que o uso de suas próprias atribuições e influência política para se manter em seu cargo. Tudo o que ele está fazendo está de acordo com as regras da Casa, regras e regimentos feitos pelos próprios colegas que o colocaram no poder. Lembremos que Eduardo Cunha foi eleito diretamente pelo voto popular e eleito indiretamente para Presidência da Câmara pelos demais deputados. Ele não tomou o poder: colocaram-no lá. Duas vezes! Suas ações são perfeitamente legítimas, do ponto de vista jurídico e conceitual. Não o querem lá? Não tivessem votado nele, oras! Agora agüenta!
Impeachment
O rito do Impedimento é claro e confuso. Bem definido, deixa tantas questões que na prática não convence. Diferentemente do caso de Fernando Collor, não há unissonidade parlamentar nas duas Casas para destituir Dilma do cargo. Dificilmente ela cairá por esse processo. A forma mais segura é a impugnação da chapa eleitoral, processo que já vem se arrastando há um ano e parece que só terminará após as próximas eleições…
Como isso vai demorar, voltemos ao Impedimento. Dilma cai, quem entra? Michel Temer, um jurista com bons históricos na área legislativa, mas que já demonstrou querer sair do governo. Teremos um presidente que não quer ser presidente. Temer cai, quem entra? Eduardo Cunha. Não preciso dizer que não vão deixá-lo por muito tempo lá. Eduardo Cunha cai, quem entra? Renan Calheiros, do PMDB. Senador de Alagoas, feudo de Fernando Collor. Não preciso dizer que não vão deixá-lo por muito tempo lá. Renan Calheiros cai, quem entra? Enrique Ricardo Lewandowski, presidente do STF. Indicado por Lula.
Não tem para onde correr. A linha sucessória é péssima e os que entrariam não têm condições ou capacidade (ou até vontade) de fazer alguma coisa. Após a queda de Dilma, o país viverá semanas de comoção popular até novamente estabilizar-se no velho quadro de descontentamento popular. O impeachment servirá apenas para sossegar o ressentimento de agora e prometer o dissabor do futuro. E mesmo em delírios populares, se os demais candidatos das últimas eleições pudessem entrar, quem ficaria? Aécio Neves, um político cujo passado é tão suspeito quanto o de Lula, ou Marina Silva, uma pessoa que muda de opinião/posição quase aleatoriamente? A rejeição a um e a instabilidade da outra não trariam bem algum ao país.
De um modo ou de outro, sairemos da estagnação. Mas nada garante que será para águas mais tranqüilas. A tempestade ainda está por vir.
Concluindo
Quem leu os textos anteriores deve ter se perguntado por que desta vez optei por não usar sarcasmo, ironias, apelidos e frases de efeito na composição desta quinta parte. O motivo é bem simples. Num texto em que defendo os direitos de Dilma, defendo a legitimidade de Eduardo Cunha, defendo a liberdade de governança de Luiz Fernando Pezão e Eduardo Paes, defendo a posse de Lula; e em contrapartida critico Sérgio Moro e o sistema judiciário; ainda digo que não sou hipócrita… :-/
Estou do lado do que é certo. Se desta vez o certo está do lado de quem estava errado, não é minha culpa.
Além disso, quis ver como me sairia num tom de texto mais sério.
As Olimpíadas estão chegando. Depois escreverei sobre o quanto detesto o COI e o COB.
Para saber mais:
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/um-ano-apos-1-panelaco-dilma-evita-a-tv-no-dia-da-mulher
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1751831-se-ajudar-impeachment-dilma-so-podera-culpar-a-si-mesma-diz-nyt.shtml
http://noticias.band.uol.com.br/jornaldanoite/boris-casoy/2016/03/15/15798639-boris-se-lula-assumir-ministerio-o-governo-dilma-acabou.html
http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/03/pf-libera-documento-que-mostra-ligacao-entre-lula-e-dilma.html
http://www.conjur.com.br/2016-mar-16/ato-faculdade-direito-usp-legalidade-lava-jato
http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2016/03/faculdade-de-direito-da-usp-organiza-ato-hoje_pela-legalidade-na-lava-jato-6007.html
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/17/politica/1458235643_036428.html
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/01/1735114-justica-determina-bloqueio-de-conta-do-estado-do-rio-para-pagar-servidores.shtml
http://conectadoaopoder.com.br/eduardo-cunha-entre-a-legalidade-e-a-moral/
http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2015/Outubro/tse-decide-prosseguir-com-acao-que-pede-cassacao-de-dilma-rousseff-e-michel-temer