Resposta ao “Paradoxo de Epicuro”

Originalmente publicado em 04/11/2017 no Facebook.
Reproduzido em 04/11/2020 em PedroFigueira.pro.br
Texto reescrito e atualizado em 29/11/2020.

Atualizado em 16/11/2021: acrescentada a resposta de Marco Aurélio.


Em resposta (não solicitada 😉) à figurinha  com a qual vez ou outra a gente tromba nas redes sociais:

O problema da existência do mal atribuído ao filósofo grego Epicuro de Samos (que não era ateu).

1º – Não é um ”paradoxo”. Paradoxo indica algo com conceito intrinsecamente contraditório. A proposta epicurista afirma que um deus não pode ser ao mesmo tempo onipotente, onisciente e bondoso, conforme os argumentos apresentados na figura. Paradoxo seria se houvesse a afirmação de ”deus é bom pois é cruel”, ou algo do tipo. O ”paradoxo de Epicuro” é um conjunto de argumentos em que, segundo uma vez aceitos, aí sim, a afirmação de um deus todo-poderoso e bondoso resulta num paradoxo, pois um deus não pode ter as três atribuições mencionadas concomitantemente.

2º – O conhecimento de uma qualidade contingente só é possível por contraposição a seu oposto. O Mal é necessário para que se conheça o que é o Bem. Disso resulta que é impossível reconhecer a bondade se não houver a maldade. Só se pode afirmar que um deus todo-poderoso é bondoso se houver maldade que se lhe contraponha.

3º – O argumento cristão da ”emanação” afirma que o Bem é o que está mais próximo da divindade, enquanto que o Mal é aquilo que se encontra afastado dela. De acordo com a gênese abraâmica, os anjos seriam emanações da divindade. Quanto mais próximos, mais elevada sua posição na hierarquia angelológica. Quanto mais afastado, menos relação com o divino. Daí a noção de formas etéreas (anjos), formas materiais com almas (homens) e formas materiais brutas (rochas, água etc.). Os anjos a partir da própria luz divina, os gênios cujo princípio é o fogo, e os homens feitos de terra (Adam / Adão) e o sopro de vida (Eva) formam os seres sencientes segundo essa cosmogonia. (Essa visão antropocêntrica se contrapõe ao animismo de outras religiões, como o Xintoísmo.)

4º – A natureza divina é incognoscível à razão humana, ou seja, os homens, por serem finitos, não podem compreender a grandeza e transcendência da divindade. Os homens, sendo falhos e incompletos, não conseguiriam julgar o ethos divino, que está acima das leis e do entendimento humanos. A supremacia divina não é submissível ao escrutínio moral advindo dos homens; de modo que não cabe à criatura julgar seu criador.

5º – Ser onipotente não significa ter de exercer sua onipotência. Clássico exemplo: ”Posso criar uma pedra que não poderei levantar?”. Claro que sim! Mas o fato de poder fazer, não significa precisar fazer. O ”direito” ou ”poder” de abdicar da própria onipotência não precisa ser exercido. Uma entidade pode ser onipotente sem precisar manifestar todos os aspectos de sua onipotência. Adjunta à substância da onipotência está a vontade (poder de escolha / livre-arbítrio). Segundo a doutrina cristã, os homens foram criados à semelhança divina, logo, possuem dela esse livre-arbítrio para escolher o que fazer em suas vidas.

6º – Onisciência e Onipotência são praticamente sinônimas, pois um conceito implica o outro. Depreende-se que, ao separá-los na lista de argumentos da figura, há uma noção limitada dos mesmos, o que implica em fragilidade de argumentação.

7º – Há correntes cristãs, como o Kardecismo, que atribuem à vida a condição de ser um sofrimento passageiro ou a noção de ser uma forma de aprendizado. Desse modo, aquilo que vemos como sendo algo ruim aos olhos humanos, visto por olhos divinos transcendentes e não presos à materialidade na realidade é um caminho de evolução espiritual.

Em suma, há vários pontos contrários. Mas a análise epicurista faz muito sentido num mundo materialista.

Independentemente da existência ou não de deus, cabe ao ser humano fazer o bem. Não interessa se há ou não uma divindade superior. O que interessa é o que fazemos com nossas vidas. Não devemos esperar do céu um ”salvador”, mas nós mesmos nos salvarmos, fazendo o bem entre nós mesmos, deixando um mundo melhor do que aquele que encontramos.

Se há ou não um deus, não importa. O que importa é: qual é o bem que fizeste hoje?


Mas se você ainda não está satisfeito, a resposta definitiva foi dada por Marco Aurélio Antônio:

Marcus Aurelius Antoninus *26/04/121 +17/03/180

Viva uma boa vida.

Se há deuses e eles são justos, então eles não se importam com o quão devoto você tem sido, mas irão te bem receber baseados nas virtudes pelas quais você viveu.

Se há deuses, mas injustos, então você não deve venerá-los.

Se não há deuses, então você terá partido, mas terá vivido uma vida nobre que viverá nas memórias daqueles que você amou.

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