Brasil, um país de efeminados.

Antes que o Ministério Público queira me processar por crime análogo ao racismo exigindo danos morais coletivos, informo que estou utilizando tanto o termo virtude quanto o termo efeminamento em seu sentido maquiaveliano, conforme expus em meu livro “Introdução ao Estudo de O Príncipe de Maquiavel”, publicado em 2012, cujo inteiro teor pode ser obtido na Biblioteca Nacional. Este texto parte do pressuposto de que você, caro leitor, leu meu primeiro livro.

Efeminado: aquele que não possui virtude, isto é, a virilidade combativa frente à rapina alheia, a capacidade/habilidade/impulso de defender seus próprios interesses.

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Mártir: acima do herói, é aquele que se sacrifica por algo maior que sua própria vida.

Herói: aquele que inspira outros a seguirem por seu caminho de virtude.

Tolo: aquele que luta por nada.

Este é meu último texto sobre política brasileira e nossos estimados governantes, servidores públicos assim como eu, porém em posição de maior relevância, seja por eleição, seja por indicação. Doravante somente escreverei sobre teoria política (se escrever), independentemente dos destinos desta terra, como dizia meu avô, ”da liberdade”. Liberdade para uns poucos, servidão voluntária para os demais.

Escrevo e publico críticas ao governo brasileiro desde 2014. Muitas delas bastante ácidas, algumas ao ponto da vulgaridade. Porém ao aproximarmo-nos do final do ano de 2022, já é possível antever como será a doravante política pública brasileira, e não me sinto à vontade para expor livremente o que penso. Se antes não podia escrever livremente na Academia, agora não poderei escrever livremente fora dela também.

Em meu último texto/vídeo (Generais-melancia?) um segmento não ficou muito claro. Reconheço que me expressei muito mal e isso tem perturbado minha mente nas últimas semanas. Optei por aguardar até o último instante para ver como se dariam os desdobramentos brasilienses para daí publicar minha reação final. Obtive com sucesso a resposta à pergunta que fiz no texto/vídeo: agora eu sei quais são as regras do jogo. E agora que sei, basta eu jogar segundo as novas regras. Acato, pois o que mais eu poderia fazer? Disso, segue este texto.

A parte do texto que fica me encafifando é a em que digo: “[…] Porque este é um país de homens emasculados, covardes e efeminados. Ninguém aqui tem colhões para desobediência civil.” No que repito e reafirmo: de fato, não há. Mamãe reclamou da generalização, pois eu estaria me inserindo no contexto da covardia brasileira. “Meu filho, você reclamou que o brasileiro é covarde e sem colhões, mas também disse que acata a decisão. Isso não é incoerente? Você está se colocando como covarde também.” Eu expliquei na postagem referente, mas ainda acho que não me deixei claro o suficiente.

Não há sociedade de um homem só. Uma sociedade é composta por várias pessoas, que, de acordo com interesses comuns, organizam-se espontaneamente das mais variadas formas. O comportamento individual é pautado diretamente pelos parâmetros sociais nos quais aquele indivíduo vive. Há aquilo que pode ser feito (permitido), o que é estimulado e o que é proibido.

O Brasil é um país de frouxos e covardes. O que isso significa? Que a cultura arraigada, enraizada, estimulada, esperada é a do pacifismo, que critiquei em meu penúltimo texto. Cito-me: “Ele não é pacífico, isto é, aquele que não procura conflito; ele é pacifista, isto é, aquele que mesmo quando o conflito vem a ele, ele não age, não revida, permitindo que o mal se torne cada vez maior.” É a ideologia continuamente pregada pelos pais de estudantes que sofrem bullying na escola, pelos repórteres de programas policialescos, pelos agentes de segurança pública: não revidar, não reagir. Somos continuamente doutrinados pela sociedade a aceitar o que está errado. A não revidar, não reagir.

Quando você reage às provocações, qual é a primeira coisa que te falam? “Você perdeu a razão.” Tomam automaticamente como errado o revide ao ultraje. Nesta terra, o correto é aceitar calado, tal como minha bisavó falava: “sim, sim; amém, amém”. Pois “é preferível viver em paz a estar com a razão”. Aquilo que é certo, que é verdadeiro, que é justo, que é razoável não importa, desde que se evite o conflito (mesmo que você seja o único prejudicado).

É exatamente essa nociva mentalidade que impede que haja qualquer ensaio de desobediência civil no Brasil. Ela é impossível numa sociedade de pacifistas. Aquele que tentar transgredir os parâmetros sociais a todos impostos será considerado o errado, mesmo que em sua perspectiva esteja fazendo o que acredita ser benéfico para todos. Esses parâmetros proíbem o indivíduo de transgredir a norma cultural da não reação. Em suma, será dado como louco.

Não há ”valentia” em um homem só. As ações sociais humanas só têm valor a partir da perspectiva de seus pares. Numa sociedade emasculada, desvirtuada, rompe-se o limiar entre a coragem a e a temeridade. Numa sociedade pacifista, quem reclamar, quem lutar, quem tentar fazer alguma coisa será tratado como o errado.

Por isso não faz sentido lutar contra o que aí vem pela frente. Um homem que não está em posição de poder, sem o apoio de seus pares, não pode fazer nada para mudar a ordem da sociedade em que está. E aquele que está em situação de poder deve negociar segundo os interesses de seus pares. É o princípio básico da manutenção do status quo em Maquiavel.

Façamos um exercício mental. Imagine que alguém realmente queira hoje (2022) questionar a política brasiliense por meio de insurreição popular. Primeiro, tem que encontrar nesta sociedade de covardes um grupo que esteja disposto a se sacrificar em conjunto ”pelo bem do país”, ”pelas futuras gerações”, ou por outra frase de efeito. Missão quase impossível, pois haverá desculpas mil. Desde o sujeito que tem família para cuidar e não está disposto a se ferrar (meu caso), até quem precisa ir comprar pão.

Suponhamos então que esse intrépido, corajoso e eloqüente visionário consiga ludibriar 100 cabeças (e estou sendo bastante pródigo nessa digressão). Pois bem, já se tem o grupo, agora é necessário tomar em armas. Que armas? Não há cultura armamentista no Brasil, o povo é desarmado. A menos que resolvam enfrentar o governo com estilingues…

Curiosidade: sabia que os tribunais federais, pagos com seu imposto, cogitam considerar os bodoques como armas de caça?

Mas sejamos ainda mais pródigos com nosso protagonista imaginário. Ele consegue, de alguma forma, entrar em contato com grupos fora-da-lei e importar (ilegalmente, claro) o equipamento necessário. Ou seja, para supostamente lutar por um país melhor, comete um sem número de crimes e alia-se às mesmas pessoas contra quem veementemente vitupera. Típico miliciano fluminense (sem referência a futuros ex-presidentes).

Pois bem, já tem voluntários estúpidos o suficiente e já tem o material necessário para fazer barulho: finalmente é chegada a hora do Putsch! Assim, felizes e ditosos, com o verde e amarelo no coração, com a pátria na mente, seguem os valentes para frente do primeiro batalhão de polícia militar. Despreparados, destreinados, não doutrinados e inexperientes, em quinze minutos estão todos mortos. Mais quinze minutos, a imprensa nacional fervilha a notícia da tentativa de golpe e anarquia, avalizando ao governo legalmente instituído todas as decisões imagináveis (e inimagináveis) para a ”manutenção da ordem social e da democracia”.

E sabe qual a melhor parte nisso tudo? A população em massa irá reagir contra esses que tentaram, ainda que ingenuamente, lutar por alguma coisa. O povo brasileiro é contra a luta (e o esforço de um modo geral). Prefere placidamente esperar deitado eternamente em berço esplêndido, embalado por mãe gentil, que outros resolvam seus problemas por si. (Edições Independentes) Não é possível nascer heróis dum povo sem virtude. Não é possível ser valente numa nação acovardada.

Para sobreviver socialmente é necessário adequar-se às regras do jogo, à moral e aos costumes do lugar. Se você não se adequar, será punido por sua transgressão. Deixe-me ampliar o exemplo do texto que me encafifou, o caso de Roberto Jefferson.

Qual é a principal função de um homem livre ter armas em sua casa? Defender a si, a sua família, a sua propriedade e, se necessário, a sua liberdade frente a um governo tirânico, eliminando o monopólio da força coercitiva do Estado. Frente a mais um cumprimento de ordem judicial pela Polícia Federal, ordens as quais se questiona sua situação jurídica, Jefferson tomou em armas para defender sua liberdade e a de sua família. Quando os agentes do Estado que deveriam proteger os cidadãos usam de força coercitiva para persegui-los, o que a estes resta fazer? Ele fez exatamente o que se espera de um homem encurralado: revidou, reagiu. E nossa sociedade o punirá por isso.

Nenhum jornalista, nem mesmo os mugidores gados bolsonaristas, o apoiaram. O imbrochável líder, que tanto fala em armas ”para defender a liberdade”, foi o primeiro a condená-lo publicamente. Se isso ocorreu para um homem público em situação de desespero, o que dizer dos desconhecidos populares que estão chegando a seus limites? Eles não são mais punidos por ações, hoje já são punidos pela mera suspeita de intenções…

Aprender com o erro dos outros é muito melhor do que com os próprios erros. Ao observar os erros dos demais, e as conseqüências de suas aventuras, pondero que não vale a pena nem ao menos questionar os eventos de 2022. Se meras palavras podem incriminar um homem por aqui, de que vale reclamar? Não me importo que a mim recaia a pecha de acovardado também, sou brasileiro, pois. E não sou tolo. Sim, sim; amém, amém. Aceitemos que dói menos. Afinal, senhores generais, nós o povo vamos fazer o quê?

Agora com licença, que estou indo comprar pão (enquanto ainda temos para comer).

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