Um cão educado

Demóstenes tivera grandes problemas em sua juventude por conta de seu problema de fala. Sua dificuldade tornou-se sua grande obsessão. Determinado a aprender a falar belamente, conta-se que ia todos os dias à praia, colocava pedras em sua boca e treinava incessantemente. Após algum tempo, Demóstenes tornou-se o maior orador grego de sua época e todos ficavam maravilhados com seus discursos.

Seu discípulo, Licurgo, não ficou atrás. Orador excepcional, dotado de imaginação brilhante, de excelente memória e de voz fascinante, seu público amava seus discursos. Toda a Atenas parava para ouvi-lo em seus debates.

Certo dia, convidaram Licurgo para fazer um discurso sobre Educação. Após ponderar um pouco, pediu seis meses para se preparar. Os anfitriões prepararam tudo e deram-lhe o tempo pedido, mas estranharam o prazo. Para que tanto tempo? Licurgo era capaz de discursar imediatamente sobre qualquer tema, bastar-lhe-ia apenas um ou dois dias para preparar a palestra e memorizá-la! Por que esperar tanto?!

Não tardou e o alvoroço público se fazia impaciente. “Licurgo discursará após seis meses!” “O que ele dirá?!” Todos conheciam sua fama e, ansiosos, esperaram pelo grande dia.

Licurgo apresentou-se à platéia. Todos atentos esperavam seu discurso, mas em seu lugar apresentou sobre o palco quatro caixas de madeira. Licurgo pediu que abrissem a primeira caixa. Era um cão. Ele saiu correndo pelo palco, latiu, fez bagunça, sujou, enfim, um caos. O público não entendeu nada.

Em seguida, Licurgo pediu que abrissem a segunda caixa. Era uma lebre. O cão imediatamente pôs-se a persegui-la. Capturou-a e a matou em frente a todos. O público continuou sem entender o que se passava.

Retirados o cão e a lebre morta, Licurgo pediu que abrissem a terceira caixa. Era outro cão. Mas este estava quieto em seu lugar, bem comportado, sem latir, sem correr. Licurgo pediu então que abrissem a quarta caixa. Era outra lebre. O segundo cão foi cheirá-la e, para surpresa do público, começou a lambê-la e a brincar com ela.

E após seis meses, Licurgo fez seu mais curto discurso:
“Eis aí o que é Educação. Ambos os cães, da mesma raça, de mesma saúde, nasceram no mesmo dia e foram alimentados da mesma forma. A única diferença entre eles é um ter sido educado e o outro não.”

Pedro Figueira – Histórias recontadas

O braço esquerdo

Um menino de dez anos havia perdido seu braço esquerdo em um acidente. Ele contava apenas com seu braço direito. Mesmo com todas as dificuldades que disso decorrem, apesar do fato de ter apenas um braço, ele decidiu que iria aprender Judo.

Ele entrou em um Dojo e procurou o mestre do lugar. Este o recebeu e perguntou o que o menino queria. O menino lhe respondeu que havia decidido aprender Judo e fez uma reverência ao mestre com sua única mão à frente.

O mestre fitou o menino com seriedade. Observou com bastante atenção a manga solta de sua camisa, balançando pela falta de um braço a sustentá-la. Ponderou por alguns instantes sem dizer uma única palavra. O menino manteve-se em posição de reverência, esperando a resposta do mestre. O mestre, após esses instantes, o aceitou como seu discípulo.

Passados três meses de intenso treinamento, o mestre havia ensinado ao garoto um único golpe. O menino continuou treinando o mesmo movimento o dia inteiro, todos os dias. De novo, de novo, de novo. Mesmo sem entender o motivo, o menino continuou acreditando em seu mestre e continuou treinando aquele único golpe.

Muitos meses mais tarde, o mestre levou o menino para seu primeiro torneio. Não havendo separação por idade ou peso, o menino lutaria contra adolescentes e adultos. Apesar de ser o mais jovem, o menor e ter aprendido apenas um único golpe, o menino surpreendeu-se ao conseguir vencer facilmente seus primeiros oponentes.

E seguiu seu caminho até as finais do torneio. E venceu.
Após retornar ao seu Dojo, o menino finalmente tomou coragem e perguntou:

– Mestre, como pude vencer o torneio conhecendo apenas um único golpe?

Sem hesitar, o mestre lhe respondeu:

– A única forma de seu oponente defender-se desse golpe é segurar seu braço esquerdo.

Pedro Figueira – Histórias recontadas

O menino e o cachorro.

Diante de uma vitrine atrativa, um menino pergunta o preço dos filhotes à venda.
“Entre 30 e 50”, responde o dono da loja.
O menino puxa uns trocados do bolso e diz:
— Eu só tenho 2,40… Posso ao menos ver os filhotes?
O dono da loja sorri e chama Lady, que vem correndo, seguida por cinco bolinhas de pêlo. Um dos cachorrinhos veio atrás, mancando de forma visível.
Imediatamente o menino aponta para aquele cachorro e pergunta:
— O que é que ele tem?
O dono da loja explica que o veterinário o examinara e descobrira que ele tem um problema na junta do quadril. Sempre mancaria e andaria devagar.
— Esse é o cachorro que quero.
— Não, você não vai querer comprar esse cachorro. Se realmente quiser ficar com ele, eu o dou de presente.
Transtornado, o menino responde, apontando o dedo:
— Eu não quero que o dê para mim. Ele vale tanto quanto qualquer um dos outros e vou pagar tudo. Eu te dou 2,40 agora e um pouco a cada mês até pagar o preço total.
— Você não pode querer realmente comprar este cachorro. Ele nunca vai poder correr, pular e brincar com você como os outros cachorros.
O menino se abaixa e levanta a perna esquerda da calça. Mostra a perna atrofiada e o andador que precisa usar.
— Eu também não posso correr ou pular. Preciso de um cachorro que entenda isso.