Recomendação: El Ebanista | Codigo de Barrio

Minha recomendação de hoje é um filme do cinema independente da República Dominicana.
Eu considerei interessante por se tratar do que acontece com um homem quando é levado para além de seus limites.
Abaixo segue o filme e após um comentário sobre os eventos retratados.
Baseado em uma história real.

El Ebanista | Codigo de Barrio

SE CANSOU DOS ROUBOS E DECIDIU CAÇAR OS LADRÕES DO SEU BAIRRO | Não Adivinho
Daniel Román Guerrero era um marceneiro respeitado em seu bairro, mas após anos sendo ignorado pela polícia e assediado por uma gangue local, decidiu fazer justiça com as próprias mãos. Em 2022, protagonizou um massacre que terminou com cinco mortos e sete policiais feridos. A história chocou a República Dominicana e virou até filme. Neste vídeo, revelamos todos os detalhes desse caso que dividiu opiniões e levantou questionamentos sobre justiça, abandono e limites humanos.

Recomendação: Crazy Samurai Musashi: 400 vs 1

Eu achei bastante interessante a iniciativa de fazer uma luta de uma hora em uma única tomada, sem cortes. É possível ver os erros de coreografia, a dificuldade de colocar a câmera em um ângulo que não faça sombra ao Sol, e o esforço do ator principal. Colocar uma luta final com técnicas tradicionais (cortes, tomadas de câmera lenta, efeitos etc.) salientou ainda mais a audácia do projeto.

Eu recomendo o filme. É um exemplo de que é possível sim fazer coisas novas num meio tão saturado.

Crazy Musashi marks the latest pairing between Tak Sakaguchi and Yuji Shimomura, and producer Ota Takayuki who now (re-)launches the project via his newly established WiiBER production banner, thanks in large part to the aid of up to 1000 crowdfunding donors last year. Sakaguchi leads the project, billed as a 77-minute single-take actioner, which sought its long-endured development through a series of changing hands and the actor’s own career troubles with management. (filmcombatsyndicate.com)
Released: 2020-08-21
Genre: Action
Casts: Kento Yamazaki, Tak Sakaguchi,
Duration: 93 min
Country: Japan

Blame!, Satania e Beautiful Darkness

E mais um texto em que resolvo ser “crítico” de artes. Na verdade, só quero dar palpite.

Como já escrevi várias vezes, tenho os mais diversos interesses. Pensando sobre eles agora, posso talvez agrupá-los em categorias, como Belas Artes (as 9) e Artesanato, Esportes individuais, Jogos e quebra-cabeças, Campismo, Belicismo, Ciências Naturais, Sociais e Paraciências, Máquinas em geral. Ser um especialista em generalidades causou-me (em parte) rejeição no mundo acadêmico. Meus professores insistiam que eu deveria (no sentido literal de dever ser; obrigatoriedade; praticamente um imperativo moral) focar-me em uma (1) coisa apenas. Isso se contrapõe à minha natureza. Eu nunca foco em algo em particular por muito tempo. Todos esses meus interesses vêm e vão recorrentemente.

Imagine aquela criança que escuta a música do desenho animado do momento. Ela é capaz de repetir milhões de vezes a mesma ladainha, ver e rever o mesmo desenho (ou trecho dele) como que uma vitrola quebrada. Então, do nada, ela se cansa. Esquece completamente aquilo e vai fazer outra coisa.

Eu nunca cresci. Continuo sendo a mesma criança: pego um assunto, fico nele obsessivamente por dias, então me canso, o descarto, e vou fazer outra coisa. Apenas que essa outra coisa é um desses outros interesses peculiares que tenho. Gosto de comparar com uma pessoa que viaja sempre para os mesmos lugares, mas nunca fica tempo demais em cada destino. Por um lado, ela tem o benefício da familiaridade, do conhecimento prévio, de sentir-se em casa. Por outro lado, ela mantém a satisfação da contínua descoberta, a curiosidade de ver o que mudou desde a última vez em que esteve lá, a sensação de aquele lugar sempre ser uma novidade.

Disso posto, estava mais uma vez garimpando one shot graphic novels (novelas gráficas curtas – histórias em quadrinhos artísticas) e encontrei uma que me colocou contra uma questão pessoal que tenho ao lidar com ficção científica: a proporção do suspension of disbelief, isto é, a “suspensão da descrença”. Sempre que lidamos com histórias de ficção, sejam de fantasia, sejam de ciências, há o artifício artístico (um pleonasmo, desculpe) em que se recorre à suspensão da descrença. O autor pede, subentendidamente, que o leitor aceite certos pontos do enredo como verdadeiros, ainda que não lhes haja explicação.

Um exemplo simples vindo da cultura dos quadrinhos é a resposta de Stan Lee, ao falar sobre seus personagens. Certa vez lhe perguntaram, “Mas como esses poderes funcionam?”. No que ele respondeu: “Não faço idéia, só sei que eles funcionam.”. Super-heróis são personagens fictícios, não existem de verdade, não estão presos às regras da vida real. Como qualquer outro personagem, são meras ferramentas que o autor ou o roteirista usam para contar uma história. Não interessa como o Superman voa. Ele voa e pronto. Não interessa como o Batman engana a Receita Federal do país dele. Ele sonega, e ninguém percebe.

Eu tenho em mente tudo isto: de que ficção é ficção, de que não há nem precisa haver explicação para as coisas inventadas. De que o que interessa é a história a ser contada. Contudo, no âmago, minha mente continua tentando encontrar um senso naquilo. Talvez seja minha forma de interagir com as histórias. Eu espero que elas tenham algo a ensinar, algo que eu possa aprender. Por isso critico tudo o que leio o tempo todo, todas as fontes, todas as falas. Incluindo as fictícias.

Toda essa digressão para finalmente chegarmos ao ponto que me deixa encafifado. Qual é o limite para a suspensão da descrença? Até onde um autor pode pedir que seu leitor aceite, ou ao menos não questione, o funcionamento de seu mundo fictício? Antes de chegarmos à Satania, quero falar sobre Blame!.

Blame! (pronuncia-se Blam!) é um mangá cyberpunk. Num futuro distópico, a humanidade se vê fragmentada, habitando uma incomensuravelmente gigantesca mega-estrutura. O personagem principal viaja por essa mega-estrutura procurando sei lá alguma coisa.

Eu não consegui passar dos primeiros capítulos de Blame!. E meu problema foi exatamente a mega-estrutura em que se passa a história. Nessa obra, o autor procurou contar a história de forma mais visual. Há pouquíssimas falas ou interações entre os personagens, sendo que a maior ênfase se dá na própria mega-estrutura em que eles se encontram. Ou seja, o ambiente em que se passa a história é, em si mesmo, um personagem (ainda que inanimado). É parte constitutiva da narrativa. Não é apenas o tabuleiro do jogo, é também um dos jogadores.

Um dos motivos (o motivo menor) que me fizeram parar de ler Blame! logo nos primeiros capítulos foi que considerei a arte aquém da esperada para esse tipo de narrativa. Se o ambiente terá tanta ênfase, considero que a arte deveria ser bem melhor. Pareceu-me excessivamente “suja”, como que, em uma ânsia de buscar o hiperdetalhismo, o autor tentou colocar em preto-e-branco aquilo que precisaria estar em cores. É perfeitamente possível alcançar hiperdetalhismo em preto-e-branco, como no caso dos autores Hiroya Oku (Inuyashiki), Katsuhiro Otomo (Akira), Kaoru Mori (Otoyomegatari) e Takehiko Inoue (Vagabond). Mas a metodologia que Nihei Tsutomu usa em Blame!, ao menos para mim, não funciona. É uma crítica similar a que fiz ao ler Wolf Guy – Ookami no Monshou, embora notadamente aqui a qualidade técnica seja muitíssimo superior. Há sim quadros muito bons, mas o conjunto da obra a torna visualmente cansativa.

Mas o principal motivo que me fez parar de ler foi que não consegui ativar minha suspensão da descrença em relação ao mundo de Blame!. A idéia da mega-estrutura é estupefante, causa perplexidade, causa admiração. Tudo bem, concordo, é muito bacana, muito legal. Porém é fisicamente impossível. Não foram apresentados no mangá, ao menos nos primeiros capítulos que li, outros elementos que expliquem (e sustentem) a diferença entre a física desse mundo com a realidade em que nós, leitores, vivemos. Pelo contrário, a história, parece-me, passar em um futuro alternativo de nossa própria realidade. Ou seja, com as mesmas leis físicas que temos na vida real. Foi nesse momento em que não mais consegui ler. Foi como se houvesse uma farpa em minha mente gritando: “mas como?! … isso não faz sentido!”.

O cenário impossível de Blame! não funciona para mim por dois motivos. O primeiro é que, quando se estuda um pouco de arquitetura, a gente sabe que a resistência dos materiais de construção é determinante para definir o tamanho máximo de uma estrutura. Inexiste material no planeta Terra capaz de sustentar uma estrutura com mais de 25 Km de altura. O que nos leva ao segundo e mais decisivo motivo de eu não conseguir desligar minha descrença para apreciar essa ficção científica.

A mega-estrutura não é apenas horizontal, ela também é vertical. São incontáveis níveis acima e abaixo, cada qual com quilômetros de altura. E onde fica a atmosfera nisso? Por que nos níveis superiores a atmosfera não é rarefeita e, mais importante, como que nos níveis inferiores as pessoas sobrevivem à pressão? Quanto mais profundo é o nível de uma escavação, maiores são as pressões atmosférica e litostática, e, conseguintemente, maior é o calor ambiente.  Este aumenta por volta de 100°C a cada 3,5Km de profundidade. Cadê o calor? Cadê o ar rarefeito? Como conseguem água? Como conseguem energia? De onde tiram comida? De onde vem o oxigênio para respirarem?

Ou seja, o lugar não faz sentido a menos que seja introduzido outro elemento de ficção científica, o que não foi feito. O lugar não é crível, embora seja apenas mais um “personagem” imaginário. Eu aceito o Superman voar, o Goku soltar raios pelas mãos, os anões cavarem Moria até chegar ao Balrog, Falkor voar mais rapidamente do que o Nada, mas, sei lá porque, a mega-estrutura de Blame! não teve a mesma benesse que disponho aos demais…

Satania, de Fabien Vehlmann, em certo momento, causou-me exatamente a mesma sensação. E é o motivo de eu estar escrevendo tudo isso.


A história de Satania consiste em uma aventura ao estilo de “Viagem ao Centro da Terra”. Diferentemente de Blame!, Satania procura explicar e embasar “cientificamente” todas as coisas que vão acontecendo. Muito se fala sobre a teoria da evolução de Darwin, dão-se explicações biológicas sobre a origem e o comportamento das criaturas fantásticas que são encontradas, da geologia do local etc. Muitas questões sobre mundo subterrâneo em que o conto acontece não são respondidas, mas não fazem falta. Embora a ambientação seja fundamental para compor a história, o que importa não é o lugar, mas sim a aventura vivida pelos personagens.

Sim, Satania é um lugar impossível. Se nenhuma bactéria é capaz de sobreviver a temperaturas acima de 120°C, a formação de um ecossistema complexo inteiro na base de um vulcão é pura fantasia. Mas, repito, isso não é importante. A história se foca na aventura, nas decisões dos personagens, na tentativa de colocar a realidade das decisões humanas naquele mundo incrível. O enredo se dá nas pessoas, não no lugar em que a história acontece. As ”explicações” constroem apenas a ambientação, servem como lembrete contínuo de que se trata de uma história de cientistas perdidos em um mundo inusitado.

Essa credibilidade ”científica” também se contrapõe ao traço, normalmente utilizado para histórias infantis. Esse jogo entre o fantástico e o real, o científico e o impossível, a estética lúdica e os eventos dramáticos é muito bem trabalhado. Infelizmente Satania peca em seu final. Nas penúltimas páginas, como que para correr e encerrar a história, o autor opta por transformar a aventura em um horror cósmico, à la Junji Ito. Poderia ter simplesmente trocado a parte de horror cósmico para horror psicológico e o impacto seria o mesmo (foi uma decisão realmente estranha para mim e destoa de todo o resto do enredo). Ao menos a viagem de retorno para casa da protagonista Charlie é um toque bem bacana.

Percebe a diferença entre as histórias?
Na primeira, a suspensão da descrença não me é possível por se tratar de um mundo impossível.
Na segunda, também é um mundo impossível, mas não faz diferença para mim.
(trocadilhos, trocadilhos)

Clarificando-me: a suspensão da descrença é necessária para o consumo de qualquer obra de ficção. Seja fantástica, seja científica, da magia até o futurismo. Porém há limites que devem ser respeitados, e esses limites derivam do foco que se dá ao artifício de enredo. Se é dada demasiada importância a esse artifício, ele precisa ser muito bem pensado e bem construído, pois senão a história não fará sentido. Se a narrativa se concentra nas ações e relações entre os personagens, o plot device (dispositivo de enredo) é um mero recurso de ambientação.

Outra graphic novel que posso mencionar aqui é Jolies Ténèbres (Beautiful Darkness, ou Aurora nas Sombras), obra também de Fabien Vehlmann como co-autor e Marie Pommepuy. O estilo gráfico é similar ao de Satania. A história consiste em personagens de fantasia que vêm para o mundo real. Saídos (literalmente) da mente de uma criança, tal como ela, vêem o mundo ao seu redor. Porém no mundo real há fome, há perigos, há morte. A história segue, em especial, a personagem principal Aurora, que me parece ser a auto-imagem da criança que a imaginou.

Nessa história, Aurora comete um ato que, em meu julgamento, a torna irredimível. Imperdoável. Comparando-a com os muitos outros personagens, também moralmente repreensíveis, nada a diferencia deles. Terá sido essa uma estratégia narrativa dos autores? Quiseram eles mostrar que nem sempre podemos nos identificar com os personagens de uma história? Quiseram eles dizer que todos têm uma mancha de escuridão em seu caráter, em seu passado? Quiseram eles só contar uma história que calhou de eu não gostar? (Tomei raiva da personagem.)

Tanto faz, não é isso que quero salientar. Citei Beautiful Darkness porque ela representa bem o argumento deste texto. Os elementos fantásticos de uma história não precisam ser explicados, por mais absurdos que sejam. Percebeu que em nenhum momento eu questionei sobre a origem dos personagens? Eu questionei sobre a trama, comentei sobre os personagens e suas ações, mas nada reclamei sobre o elemento de fantasia. Não há explicação de como aqueles personagens vieram para o mundo real, e isso não importa diante da história que está sendo contada. Essa questão nem ao menos é levantada. Eles estão lá e pronto, tais como os heróis voadores ou os reinos subterrâneos com seus dinossauros no Centro da Terra.

A suspensão da descrença é um artifício poderoso, todavia delicado. No caso de Satania é fácil suspendê-la, pois a adrenalina da aventura ofusca completamente questões secundárias. Já em Blame!, a estrutura (trocadilho intencional) do enredo carece de muito mais explicações. E falando em estruturas e credibilidades, não queria crer que esta semana começa obra para tirar infiltração aqui em casa… Aff… Cadê os anões de Moria quando a gente precisa deles?

Elogio aos funcionários da Rede Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro.

Este texto foi registrado em duas Ouvidorias (Federal e Estadual).

Protocolo: 202520000602259
Chave de acesso: IXM8D8
PROT GERJ: 202505025695750

Compreendo que dentre os incontáveis protocolos enviados para essa Ouvidoria, os elogios sejam tratados em segundo plano. Porém, rogo que esta manifestação chegue aos funcionários dos estabelecimentos, como reconhecimento e gratidão pelos esforços diários das equipes.

Minha mãe, Maria de Fatima Figueira sofreu um infarto e foi internada dia 16/04 na rede Estadual de saúde.

O atendimento realizado pela equipe da UPA 24hs Engenho Novo foi impecável. TODOS os funcionários nos trataram muito bem, os médicos, os enfermeiros, os seguranças e o pessoal da limpeza. Todos nos trataram muito bem.

O cuidado e a dedicação de toda a equipe salvou a vida da minha mãe. Tudo muito limpo, higienizado, 24h de observação, alimentação e cuidados.

A equipe de ambulância que fez as transferências para o Hospital Pedro Ernesto e em seguida para o Hospital Anchieta nos tratou com respeito, profissionalismo e sensibilidade.

No HUPE encontramos um ambiente hospitalar higienizado e próprio para o cateterismo.

Finalmente no Hospital Estadual Anchieta, minha mãe recebeu um tratamento humanizado e completo. Dentistas, psicólogos, assistentes sociais. Os funcionários do atendimento me trataram muito bem e as enfermeiras cuidaram da minha mãe de forma humanizada.

TODOS os funcionários da rede de saúde, médicos, enfermeiros, socorristas e equipes de apoio nos trataram muito bem. E, repito, salvaram a vida da minha mãe.

Aqui deixo meu registro de agradecimento e elogio.

Rogo novamente que esta manifestação chegue a esses funcionários. Sei que é difícil, mas eles merecem esse reconhecimento público de seus esforços, profissionalismo e compaixão.

A Revolução da Inteligência Artificial

Texto adaptado. Fonte ao final.

Existe uma profunda idéia por trás da atual Revolução da Inteligência Artificial: que a predição de padrões pode levar à inteligência. Tudo o que a máquina vê ou ouve, toda ação que ela toma, mesmo conceitos e idéias construídos, são todos entendidos da mesma forma, isto é, como reconhecimento de padrões. Quando a máquina aprende a predizer padrões, ela também pode criá-los, imitando e, freqüentemente, superando a habilidade humana. O que nós estamos chamando de Inteligência Artificial é uma máquina gigante de predição de padrões criada copiando a solução que a natureza encontrou para aprender. Podemos dizer que a natureza desenvolveu o ato de aprender em três etapas diferentes.

A primeira etapa é o aprendizado evolucionário, que é construído com a simples estratégia de tentar coisas aleatórias (mutações) e ver o que funciona. Esse é um processo muito lento que acontece ao longo de gerações e é incapaz de se adaptar a rápidas mudanças ambientais.

Então a natureza construiu uma segunda etapa muito mais rápida de aprendizado: usar o cérebro para se adaptar. Permitir que o comportamento (ações e decisões) do ser vivo se adapte ao longo de sua própria vida. O cérebro permite que o organismo mesmo tente coisas diferentes e repita o que funciona baseado na experiência (memória) e no mecanismo de reforço baseado em recompensa ou dor.

Essa é a base para o paradigma de aprendizado de máquina da inteligência artificial. Em lugar de programar instruções passo a passo, nós deixamos a máquina aprender por si mesma. Esse conceito vem desde a década de 1960, demonstrado a partir de mecânicas de jogos. Ao tentar todas as combinações possíveis associadas a um sistema de reforço de aprendizado (premiando jogadas corretas e punindo jogadas erradas), demonstrou-se que a própria máquina seria capaz de identificar padrões de jogos perfeitos.

Essas estratégias de vitória emergiram diretamente da experiência, não de programação. Mas elas possuem uma grande limitação. Nesse modelo de aprendizagem artificial, é necessário que haja espaço para armazenar todas as combinações possíveis.

Para verdadeiramente imitar o cérebro humano, máquinas ainda precisariam desenvolver sua própria forma de reconhecimento de padrões, o que nós chamamos de abstração. Nós somos capazes de formar abstrações automaticamente, ignorando diferenças triviais enquanto nos focamos nas similaridades.

Este foi o motivo pelo qual este ensaio me chamou a atenção. O desenvolvimento da linguagem como ferramenta de abstração de conceitos é o instrumento fundamental da Filosofia. A capacidade de reconhecimento de padrões e suas implicações no comportamento humano também são tema de discussões sobre a psique humana, como bem argumentam Richard Dawkins e Christopher Hitchens.

Veja também: Como a linguagem modela a maneira como nós pensamos?

Abstrair permite ignorar as diferenças sem importância e atentar aos padrões intrínsecos das coisas. Para construir uma máquina capaz de aprender a abstrair conceitos, pesquisadores olharam para a natureza. O modo como o cérebro funciona em camadas de rede de neurônios, como essas redes formam circuitos que criam padrões em cascata durante o processamento de informações, e como quanto mais profundas forem essas camadas, mais específica será a informação. Pensamentos são identificados com padrões de atividade neuronal, de modo que hoje é possível dizer em que imagem você está pensando ao observar sua atividade cerebral.

O primeiro ”cérebro” artificial foi construído por Frank Rosen em 1958, usando transístores agrupados em três camadas. A primeira camada foi conectada a uma “retina” artificial capaz de ler os píxeis de uma imagem de forma direta. As demais camadas foram ajustadas de forma aleatória. A saída registrava apenas duas possibilidades, se a imagem seria um quadrado ou um círculo. Esse circuito aprendeu por tentativa e erro. Cada conexão entre os ”neurônios” era controlada por um potenciômetro que ajustava o fluxo de eletricidade. Consistia numa versão mecânica daquilo que o cérebro humano faz. Os ajustes eram feitos manualmente para ensinar à máquina a reconhecer as imagens. Após várias iterações, ela se tornou capaz de reconhecer padrões por si mesma. Esse é o princípio do algoritmo para o aprendizado de máquina usado hoje, lidar com pesos de ”certo” e ”errado”.

Veja também: O transistor: um documentário de 1953 antecipando o futuro impacto na tecnologia

Nesse exemplo, parte da rede neural aprendeu a se tornar sensível somente a curvas, já outra parte se tornou sensível a linhas retas. Em 1980 o mesmo conceito foi usado para desenvolver um leitor de números, capaz de reconhecer os algarismos de 0 a 9 escritos à mão. Após aprender com milhares de exemplos, as primeiras camadas da rede reconheciam padrões de curvas e as camadas mais profundas eram capazes de reconhecer padrões complexos. Desse modo, o infinito universo de combinações de curvas foi reduzido a apenas 10 resultados possíveis. É possível visualizar na rede os grupos específicos de neurônios que reconhecem cada imagem. Esse salto tecnológico é o que se chama de reconhecimento de ”conceitos”.

O próximo salto ocorreu em 2012. Durante o desafio anual de desenvolver um computador capaz de reconhecer imagens, a mesma abordagem foi utilizada numa escala muito maior. Uma grande rede neural foi treinada com milhões de imagens. Descobriram então que, enquanto as camadas mais superficiais da rede ainda detectavam apenas formas simples, as camadas mais profundas eram capazes de descobrir por si mesmas padrões cada vez mais complexos de texturas e mesmo padrões de face. Além de aprender por si mesma, a rede neural era capaz de superar a capacidade humana de reconhecimento de padrões sem nenhuma programação prévia, algo antes considerado impossível.

Quanto maior e mais profunda for a rede neural, mais complexas são as tarefas que ela pode realizar e maior é sua capacidade de reconhecimento de padrões. Voltando a 1992, Gerald Tessaro criou uma rede neural que aprendesse o jogo de Gamão. Ela não foi programada com as regras do jogo, apenas observou as posições no tabuleiro até ser capaz de reconhecer quais padrões indicavam vitória e quais indicavam derrota. O próximo passo foi a rede passar a predizer quais seriam os próximos movimentos, quais as probabilidades de vitória e quais as melhores jogadas a serem realizadas.

Há poucos anos a OpenAI começou a aplicar os mesmos princípios de reconhecimento de padrões para a física do mundo real. Eles treinaram uma mão robótica para manipular um cubo. Não foi programado nenhum movimento específico. Uma grande rede neural receberia uma imagem como entrada e a saída seria a probabilidade de vários movimentos motores. O sistema aprendeu por meio da simulação de milhões de tentativas, descobrindo padrões de manipulação bem sucedidos por si mesmo. O resultado que emergiu da experiência foi surpreendentemente parecido com o movimento humano.

Em problemas complexos como o futebol de robôs, a rede neural aprende a andar, chutar, antecipar jogadas e bloqueá-las antes que elas aconteçam. Todos esses comportamentos complexos surgiram do mesmo processo de aprendizagem. Chamamos isso de abstração comportamental.

Embora todos os experimentos até então tivessem sido bem sucedidos, eles somente eram capazes de treinar a inteligência artificial para o que se pode chamar de abstração restrita, isto é, treinar para fazer uma única tarefa específica. Os sistemas são capazes de realizar a tarefa muito bem, mas somente aquela tarefa. Desse modo, uma inteligência artificial capaz de fazer qualquer coisa em geral ainda parecia ser inviável.

Até 2016 o aprendizado sem supervisão humana era um problema ainda não resolvido para o aprendizado de máquina, e ninguém tinha idéia de como resolvê-lo. Foi então que a inteligência artificial atingiu a terceira camada de aprendizado da natureza: a linguagem. A linguagem permite que um indivíduo aprenda não por meio de experiência própria, mas a partir da experiência de outras pessoas, usando sua própria imaginação. Com a linguagem, vem a imaginação de propósito geral. Qualquer coisa que possa ser posta em palavras pode ser imaginada.

Para atingir essa meta, seria então necessário compreender a matemática por trás da linguagem. Claude Shannon, o pai da teoria da informação, já nos anos 1940, nos ajudou a ver a linguagem como uma seqüência de predições, onde cada palavra que se diz é escolhida a partir de um conjunto de palavras possíveis. Desde 1980 pesquisadores treinavam pequenas redes neurais para predizer quais os próximos movimentos em jogos. Da mesma forma, as redes neurais poderiam predizer quais palavras se seguem as já escritas. A rede forma sozinha grupos de palavras similares, agrupa verbos com verbos, substantivos com substantivos, sinônimos etc. automaticamente, a partir da predição de palavras. As redes são capazes de reconhecer estilos diferentes de escrita, de Shakespeare à matemática, e de predizer a continuação do texto.

A empresa OpenAI treinou uma vasta rede neural com os comentários escritos por milhões consumidores na página de compras Amazon. Ao processar o texto, a rede encontrou padrões, tal como os padrões das redes de reconhecimento visual. A partir da gramática, a rede conseguiu distinguir idéias complexas, incluindo os sentimentos dos consumidores, se estes estavam satisfeitos ou não com os produtos. Esse reconhecimento do estado emocional positivo ou negativo dos consumidores foi superior ao de sistemas especializados. Foi essa descoberta que levou ao desenvolvimento do GPT. Esse sistema é capaz de aprender linguagem por si próprio.

Veja também: Críticas ao ChatGPT

Quando o GPT-1 foi treinado, foi feita a maior rede neural até o momento e foi treinado com milhares de livros. O objetivo geral era que a rede fosse capaz de predizer a próxima palavra de uma sentença, mas os pesquisadores se surpreenderam com o resultado. A rede não apenas podia continuar qualquer segmento de texto, como era capaz de responder a questões que não estavam previamente escritas. Essa foi mais uma evidência de que a simples predição estava levando ao entendimento real .

Assim, o GPT está sendo treinado com cada vez mais dados, de livros à internet e futuramente todo o conhecimento humano. Algo que o GPT revelou é sua capacidade de aprender e entender conceitos novos apenas os descrevendo, o que foi chamado de aprendizagem contextual. Ele foi ainda mais longe, demonstrando que sua habilidade de aprender a partir de novos exemplos era tão rápida quanto a habilidade humana em compreender novos conceitos. Uma rede neural desse tipo pode aprender novos comportamentos apenas por suas descrições.

Outra grande revelação foi descoberta com o GPT3. Ao ser treinado com suas próprias respostas, primeiramente ele foi treinado a seguir instruções, o que o fez ser bom em seguir ordens; depois ele foi treinado se suas respostas eram coerentes ou não, resultando em respostas cada vez mais coerentes; e finalmente ele surpreendeu demonstrando que esses sistemas funcionam de forma melhor se forem permitidos a gerar respostas passo a passo, do mesmo modo como humanos entendem melhor as coisas quando falamos em voz alta ou explicamos a nós mesmos o que estamos fazendo.

Esses experimentos mostraram que em lugar de construir redes cada vez maiores, podemos apenas deixá-las ”pensar”, ”raciocinar” por mais tempo. Redes neurais, assim como a mente humana, podem usar tanto a intuição rápida quanto raciocínio lento e deliberado aprendido tanto pela experiência quanto pela imaginação. Isso marcou a entrada em uma nova era da computação, onde máquinas podem operar ao nível de conceitos e idéias. Essa abordagem rapidamente se expandiu para além de texto quando os pesquisadores perceberam que se poderia tratar tudo como um tipo de linguagem, esmiuçando toda a informação em seqüências: músicas são seqüências de notas, vídeos são seqüências de imagens que geram a noção de movimento etc. É possível gerar músicas novas predizendo qual deverá ser a próxima nota, procurando reconhecer quais são os padrões daquela música.

Todos os padrões possíveis são levados em consideração numa rede neural, pois sua arquitetura lhe permite observar tudo em todo lugar ao mesmo tempo. Ela não é capaz de predizer apenas o próximo passo. A cada etapa da resposta ela se retroalimenta e reexamina toda a seqüência, o contexto da resposta, e dá o próximo passo. Esse modelo de transformação de conceitos é tão eficiente que ele pode ultrapassar domínios específicos. Agora um modelo pode entender palavras, a partir delas gerar imagens, então gerar vídeos que guiem os movimentos de um robô para que ele execute alguma tarefa no mundo físico. Um robô pode executar ordens expressas apenas por palavras usando sua “imaginação”.

Essa capacidade espelha o funcionamento do cérebro humano, que em sua raiz se baseia em reconhecimento e predição de padrões. Esses são os três estágios ou etapas do aprendizado: tentativa e erro, manter o que funciona e descartar o que não funciona (evolução); aprender por experiência direta (memória e imaginação); abstração por meio de linguagem. Tudo isso aconteceu muito mais rápido do que qualquer um poderia esperar.

Os pesquisadores dizem que já podemos ver o caminho para a Inteligência Artificial Geral, a inteligência verdadeira, capaz de algo equivalente à consciência humana. A questão principal não é se ela será atingida, mas como ela será utilizada. Estamos ingressando numa era de incertezas, onde estaremos lidando com coisas tão inteligentes ou até mais inteligentes do que nós. Será possível descobrir uma maneira de fazer com que elas nunca queiram assumir o controle? Porque se elas quiserem assumir o controle poderão facilmente se forem mais inteligentes do que nós. No final, o futuro da inteligência, seja artificial ou humana, pode depender não se as máquinas realmente entendem, mas dos padrões que escolhemos adotar e, mais importante, da agência que lhes concedemos.

How AI Took Over The World | Art of the Problem
One insight changed everything… intelligence can emerge from pattern prediction. This is a capstone video featuring key insights from the entire AI series.

From the first neural networks built with matchboxes and beads to today’s AI systems that can reason, create, and understand language, this video reveals how machines learned to think by copying nature’s three-layered approach to learning. We’ll journey through the key breakthroughs – from simple visual pattern recognition to game-playing AIs that developed “alien” strategies, and finally to language models that can imagine anything we can describe. Along the way, we’ll discover how researchers unlocked each layer of intelligence: evolutionary learning that keeps what works, reinforcement learning that adapts within a lifetime, and finally, language learning that allows knowledge to be shared across minds. This is the story of how pattern prediction became pattern generation, and how machines learned to think… one layer at a time.

 

Como cuidar de um filhote de passarinho órfão?

Como cuidar de um filhote de passarinho órfão – tudo o que você precisa saber! | Patas em Pauta

“Esse vídeo tem tudo o que você precisa saber para cuidar de filhotes de passarinhos órfãos, incluindo nutrição, aquecimento, combate a parasitas, adaptação para soltura, e muito mais! Nós vamos ver 8 PONTOS essenciais para você ajudar esse passarinho cuja vidinha está agora nas suas mãos! Assim como eu ajudei o Píps, o passarinho da capa do vídeo que eu encontrei abandonado! Eu consegui filmar cada passo dos cuidados com ele, para ficar bem fácil das pessoas entenderem e assim poderem ajudar outros bebês! Lembrando que só devemos tentar cuidar em casa de filhotes de passarinhos se na nossa cidade não existe local especializado para recebê-lo, como IBAMA, CETAS, universidades, clínicas veterinárias especializadas em animais silvestres, etc. E mesmo assim, sempre visando a devolução do filhote à natureza, pois além de ser crime, a manutenção de animais de vida livre em cativeiro é bastante cruel. Os pássaros devem viver em liberdade, sem restrições em seus movimentos e em sua jornada de vida.”

Como é ser mesário?

E então, como é ser mesário?

Completando esta trilogia cívica, relato a quem curioso esteja como é o típico dia de um típico mesário suburbano carioca. Eu havia sido mesário e presidente de seção há muitos anos, mas acabei esquecendo os detalhes dessa deliciosa experiência de servir à nação.

Você acorda mais cedo que quase todo mundo. Menos o pessoal do TRE e os presidentes de seção, que já estão lá te esperando no local de votação. Cheguei às 06h20, para tirar a zerésima às 07h00 e começar a receber o povo às 08h00.

O trabalho é realmente muito muito simples. Recebe pessoa, cata nome, manda votar, entrega papel, chama o próximo. Recebe pessoa, cata nome, manda votar, entrega papel, chama o próximo. Vai almoçar, engole um bate-entope e volta. Repete os passos 1 e 2 e o dia já acabou. (Realmente passa muito rápido.) É um dos serviços mais tranqüilos que você poderia ter. De novidade, só não gostei que criança não pode mais acompanhar o adulto para votar. Todos nós mesários votamos com nossos pais. Era uma forma de transmissão do civismo. Agora não pode mais… |:^/ Ao final, você empacota tudo e manda para o TRE.

Eu me lembrava só dessa parte. Parece que minha mente se esqueceu de um pequeno detalhe: o povo. Estamos falando de seres sem as mais rudimentares noções de urbanidade, espaço pessoal e até mesmo higiene. É certo que não sou exemplo de elegância, etiqueta e garbo. Muito menos simpatia. Porém isso não invalida meu sentimento de repugnância ao ver que votam:

  • A velharia que chega duas horas antes de os portões abrirem para “não esperar na fila”;
  • O sujeito que pára em frente à urna sem saber apertar botões;
  • Mulheres diferentes revezando a mesma criança para ganhar prioridade;
  • Os homens que aparecem segurando aquela mesma criança no colo para ganhar prioridade também;
  • E uma vagabunda desgraçada batendo numa criança de colo;
  • Pessoas completamente desorientadas sem saber o que foram fazer ali;
  • Mulheres usando roupa de boate (ou prostíbulo);
  • E gente molambenta não por pobreza, mas por desleixo;
  • O sujeito que lambe o dedo antes de registrar a digital e baba o aparelho todo (lambeu e babou umas 4 vezes);
  • A pessoa que quer fugir com o comprovante sem ter votado;
  • A pessoa que arranca a caneta da sua mão;
  • E o que mais me causa espécie: ver como as pessoas conservam e tratam seus documentos de identificação (trauma bancário).

O sujeito que pára em frente à urna sem saber apertar botõesnão tem condições intelectuais suficientes para fazer bom juízo acerca de quem deve administrar o aparelho estatal. Já aqueles que demonstram mesmo em suas pequenas ações cotidianas uma personalidade egocêntrica, não têm índole para fazer escolhas que beneficiem a sociedade antes de si mesmos. Metade das pessoas em minha seção eleitoral não foi votar. E, da metade que foi, parte considerável não deveria ou merecia ter o direito de votar (uns 25% talvez…).

Ao menos dentro da zona (eleitoral) há alguma parcimônia nos temperamentos. No entorno, porém, a situação beira o ridículo. Todas, repito-me, todas as biroscas de meu bairro estavam fazendo churrasco. Nunca vi em todos estes anos de eleições tanta gente nas ruas, bebendo e gritando, entre pagodes e arruaças, sobre a imundície de um mar de santinhos em que escorreguei (não cheguei a cair). Saindo de meu local de eleição, diretamente à frente, há um bar. Estava mais do que lotado: as mesas estavam ocupando boa parte da rua impedindo a passagem de carros.

Estavam embebedando-se desde o início da manhã e continuam as ébrias esbórnias até agora, tarde da noite.

Esse é o povo que vota. Tem o governo que merece.
Cumprida minha obrigação cívica, retorno para casa.
Minha mãe me fez tomar banho de sal grosso (ela rezou o terço de São Miguel).
E ganhei R$ 60,00 de vale-coxinha pelo dia.

Não posso mais porque cortei o glúten… :-(

Intimidações eleitorais

Sempre que recebo intimação do governo, eu chamo de ”intimidação”. Meus amigos que trabalham com Direito não gostam, então eu chamo assim ainda mais. huehue

Mais uma vez fui contemplado com a subtração de pelo menos um domingo. O governo decidiu pelo meu arrebatamento e, após tantos anos, serei mesário de novo. Tenho certeza de que, se suas excelentíssimas eminências tivessem lido as coisas que escrevi sobre as urnas eletrônicas, não teria sido convocado. Provavelmente iria preso mesmo… |:^(

Fui mesário e presidente de seção quatro vezes no passado, ainda à época em que trabalhava no Banco do Brasil. Essa empresa chinfrim não me pagou os dias devidos. Sabe, quando você trabalha para a justiça eleitoral, além de você ganhar o vale-coxinha do dia, você ganha alguns dias de folga em seu trabalho. São dois dias para os mesários e quatro dias para os presidentes de seção. Isso é remanescência da época em que a votação era feita por cédulas em papel. Esses dias eram os usados para fazer a contagem manual das cédulas. Hoje a votação é eletrônica, não existe mais a contagem (se é que você me entende), mas os dias continuam sendo dados.

Acontece que o Banco do Brasil se recusou a dar meus dias como presidente de seção e só me deu os dias como mesário (metade). Primeiro emprego; vinte anos de idade; sabendo nada da vida; não reclamei. Não foi só isso que os patifes deixaram de me pagar, mas pararei por aqui mesmo: contar as peripécias que vivi naquele rendez-vous daria um livro inteiro. Só que a féria do livro não pagaria os calmantes para segurar a vontade de esganar uns e outros…

Voltando às eleições e à política brasileira (esta, outra patifaria e rendez-vous), até que trabalhar como mesário é tranqüilo. Eu reclamo que é uma chatice ficar com o bumbum quadrado de esperar o pessoal para votação, mas no fundo acho bacana a gente participar de alguma coisa cívica.

Eu também gosto de ficar vendo formiguinhas andando enfileiradas, então pode ter alguma coisa a ver.

Este ano mamãe e eu fomos fazer a tal da biometria. Eu não gosto nem um pouco dessa história de o governo, ou qualquer um, coletar meus dados biométricos. Darei um exemplo para explicar como penso. Você tem uma conta no banco e conseguem roubar sua senha. Você bloqueia a conta, muda a senha, problema resolvido. Você tem um cartão de crédito e conseguem clonar seu cartão. (Já aconteceu comigo. Três vezes. E, sim, no mesmo banco patife citado acima.) Eu pedi o bloqueio do cartão, mudei a senha, pedi segunda via do cartão, problema resolvido.

Você deu sua digital para o banco. Roubaram sua digital. Não tem segunda via. Acabou. Para o resto da sua vida sua informação personalíssima estará comprometida, pois sabe-se lá quem vai ter acesso a esse dado dali em diante? Por isso eu me recuso a dar meus dados biométricos para qualquer empresa. Hoje ela está com um dono, amanhã com outro… Funcionários vêm e vão… Eu não sinto segurança nenhuma nisso.

Agora responda: você crê ser seguro dar esse dado tão precioso para o governo? Nem me refiro ao governo brasileiro, refiro-me a qualquer governo no mundo. Será que, depois da Peste Chinesa e do caos que foi essa fase tão recente que escancarou a completa incompetência e prepotência de proto-ditadores, ninguém aprendeu nada?

Veja mais: Guia da pandemia: o vírus corona no Brasil e no mundo.

Seja como for, fui obrigado (por aquele cujo nome não pode ser pronunciado versão brazuca) a fornecer minha digital, foto de meu lindo rostinho, minha assinatura… Faltou só o exame de fezes. Alguns meses depois de esse recadastramento ter sido feito, fui recapturado para ser mesário. Recebida a carta intimidatória, aproveitei que a UERJ está mais uma vez em estado de greve e que hoje não teve expediente para ir lá resolver.

Mais um típico dia tranqüilo e pacífico em meu local de trabalho.

Levei toda a documentação, até crachá do emprego. Não precisou de nada além do número do título e tudo foi resolvido em menos de cinco minutos. A atendente conferiu meus dados, pediu para eu repetir o número de telefone cadastrado e me incluiu no grupo de zapzap da zona eleitoral. E eu pensando com meus botões: “é sério isso?”.

Veja mais: Por que eu odeio ter celular?

Minha aversão ao zapzap se deve a vários fatores, que podem ser conferidos no texto acima. Porém, à parte de minha repulsa pessoal, essa foi uma decisão administrativa que me incomodou. Pois não apenas centenas de números de telefone ficaram disponíveis para mim, como também o meu número de telefone ficou disponível para centenas de pessoas. É só clicar em “informações do grupo” que aparecem fotos e números de telefone de todo mundo.

Eu fiz os cursos sobre a nova Lei de Proteção de Dados Pessoais. Em meu entender, essa decisão administrativa resultou no vazamento de dados pessoais (número de telefone e foto). No meu caso, meu número de telefone já é exposto. Está em meu cartão de visita, que mamãe sai distribuindo para todo mundo que encontra por aí na esperança que alguém leia meus textos… |:^p

Mas e para quem quer ter privacidade? Imagine seu número privado sendo distribuído para um monte de gente que você não conhece! Eu achei isso muito estranho e também penso que isso pode ser problemático…

Voltando à história: fui lá, puseram meu número no zapzap deles (e dum monte de gente) e me liberaram. Na prática, fui para perguntarem de novo qual é meu número de telefone. Daí era só aguardar que as instruções para terminar o processo seriam enviadas pelo celular.

Assim, chegando a casa, tive de entrar no zapzap para descobrir onde pegar a tal “Carta de Convocação” (a oficial, não a intimidatória). Segui as instruções, mas não deu certo. Descobri então outro caminho para o tal do “Convoca-e“, o novo sistema eletrônico de convocação de mesários. Nesse terceiro sistema, dei meus dados de novo. Ó, raios, quantas bases de dados esse povo tem?

E, para minha jovial alegria e ditosa felicidade, o treinamento também tem que ser feito por “aplicativo”.

Agora é aguardar a ”festa da democracia” e cumprir minha obrigação cívica. Ou o juiz da comarca ler o que escrevi sobre as eleições. O que vier primeiro.


Editado 24/08/2024: apenas um adendo.

Você sabia que todos são iguais perante a lei? Exceto quando você tem prioridade para votar (ou para qualquer outra coisa).

No caso das eleições, votam primeiro os candidatos, os juízes e os promotores eleitorais (qualquer servidor da justiça eleitoral, na verdade). Mas os mesários são os últimos a votar. Somos arrebatados para o serviço “democrático”, mas só votamos se não tiver mais ninguém na fila, às vezes, só no final do dia.

Documentário sobre a vida dos Amish, feito pela Deutsche Welle

Os Amish são grupos fundamentalistas religiosos cristãos protestantes que moram nos Estados Unidos. Eles vieram emigrados da Alemanha e da Suíça em busca de liberdade religiosa. São muito conhecidos no mundo por rejeitarem a tecnologia e a cultura moderna.

A primeira vez em que tive interesse maior em estudar sobre os Amish foi quando me deparei com o comportamento da comunidade Amish após o fatídico massacre ocorrido em 2006 na escola West Nickel Mines. Foi o comportamento mais cristão de que havia tido notícia.

Os Amish não são perfeitos, no documentário bem é dito que eles têm seus problemas. Mas o fundamento sobre o qual sua comunidade é constituída é algo sobre o que se pensar: “Too much technology disrupts family life.

The lives of the Amish in the US | DW Documentary

A life just as it was 300 years ago: the Amish in the US. They live according to their own rules, reject technological advances, wear old-fashioned clothing and drive horse-drawn carts. An encounter with the Amish is like traveling back in time. Originating from southern Germany and Switzerland, the Amish community brought its culture and language to the New World. Deeply rooted in their faith, the Amish adhere to strict codes and reject modern technology. For outsiders, these rules can sometimes appear strange. They traverse their rural communities in horse-drawn carts, but if a distance is too far, they’re allowed to use a shuttle service. They don’t use telephones unless it’s for business purposes and the device is located outside of the home. Children are expected to help with housework even when they’re attending school. But before they’re baptized as young adults and finally become part of the Amish community, they’re allowed to try what’s called the rumspringa: a period of time when they’re encouraged to behave like regular teenagers – before deciding on which lifestyle they prefer. But those who opt for a conventional, modern existence are exiled. The film sheds light on a fascinating world governed by tradition.

A polarização entre Ocidente e Oriente

Cavando nas profundas minas digitais em meu computador, encontrei um artigo de 2012 falando sobre parte da origem da animosidade de muçulmanos (e outros povos orientais) para com o ocidente. Achei pertinente compartilhar.


Autor: Antônio Gonçalves Filho
27 de julho de 2012
Dois historiadores discutem origens e evolução do domínio europeu sobre o restante do mundo, propondo uma reflexão sobre o fim de uma era marcada pela supremacia da civilização ocidental.

A desconfiança de que estejamos chegando ao fim de 500 anos de supremacia ocidental fez com que dois historiadores da Grã-Bretanha publicassem simultaneamente dois livros que tratam do choque traumático entre duas civilizações, a ocidental e a oriental. Lançados no ano passado [2011], na Inglaterra, esses dois títulos – Guerra Santa, de Nigel Cliff, e Civilização, de Niall Ferguson – chegam agora traduzidos ao mercado brasileiro. No primeiro, seu autor, um jovem crítico inglês que trabalha para o jornal The Times, reconta a história das três viagens de Vasco da Gama ao Oriente no fim do século 15, retratando-o como um aventureiro ambicioso e cruel que buscou não só uma rota alternativa para as Índias. A mando do rei Manuel I, ele embarcou numa cruzada marítima que tinha como objetivo expandir o domínio português e massacrar muçulmanos, então senhores do comércio de especiarias.

No segundo livro, Ferguson afirma que o navegador português e seus homens, vivendo num mundo polarizado pela fé, se dedicaram a um espetáculo de violência inaudita – mutilação de tripulantes de navios capturados, incêndio de naus com fiéis a caminho de Meca – por acreditar que a melhor defesa é o ataque. Havia, segundo Ferguson, um traço de crueldade em Vasco da Gama e nos 170 homens que seguiram esse jovem de 28 anos na aventura de abrir uma rota marítima da Europa à Ásia. Atrás de um mítico rei cristão, que governaria um reino oriental e poderia servir de aliado, eles lutaram contra fortes correntes marítimas para torturar antípodas e banir o Islã, que havia bloqueado o acesso da Europa ao Oriente. Ferguson diz que os homens de Lisboa demonstraram uma brutalidade que até mesmo os chineses raras vezes manifestaram.

O troco pode vir agora, cinco séculos depois: Ferguson não só acredita como aposta no ocaso da supremacia ocidental. Para chegar a essa conclusão, a exemplo do colega Nigel Cliff, fez acurada pesquisa histórica, concluindo que o passado não está morto, mas vivo e atuante no presente. O verdadeiro significado da história, defende, vem justamente dessa justaposição. Cliff parece concordar. Em entrevista por telefone, de Londres, ele identifica certa semelhança entre a auto-imagem que Vasco da Gama alimentou de super-herói lutando contra “infiéis” muçulmanos e aquela que os fanáticos do Islã devem ter de si mesmos, ao declarar uma “guerra santa” contra o Ocidente cristão.

O livro de Cliff recebeu sérias críticas por isso lá fora. Eric Ormsby, numa resenha para o jornal The New York Times, refuta essa idéia de “choque de civilizações”, termo emprestado de um livro de Samuel P. Huntington (O Choque de Civilizações, Editora Objetiva, 1997). Para ele, o verdadeiro conflito do mundo contemporâneo não seria entre o mundo cristão e o Islã, mas entre nossa secular cultura consumista e um esquema mental rígido e absolutista como o muçulmano. O antagonismo entre cristãos e muçulmanos, na época de Vasco da Gama, teria sido puramente mercantilista, acrescenta Ormsby. Afinal, os portugueses, argumenta, caíram de joelhos diante da exuberância das cortes muçulmanas que visitavam. Os muçulmanos, ao contrário, desprezaram a cultura européia, por considerá-la “inferior”.

Nessa viagem em busca de aliados cristãos, os portugueses fizeram, portanto, mais inimigos que amigos. Os muçulmanos haviam penetrado o continente africano e a Índia de maneira mais profunda do que imaginavam Vasco da Gama e seus homens. Ainda assim, quando o navegador chegou ao Oceano Índico, fundando colônias e plantando igrejas em cada ponto do território, a supremacia do Islã foi posta em discussão. A vasta riqueza em recursos naturais – metais preciosos e especiarias -, ao cair nas mãos dos portugueses, diz Cliff, fez Vasco da Gama disparar o “tiro de partida nos longos e plenos séculos de imperialismo ocidental na Ásia”. O historiador classifica de “sonho louco” o da última cruzada – marítima, no caso -, mas diz acreditar que Vasco da Gama e seus seguidores foram movidos por “sincera” fé religiosa.

Essa crença, garante Cliff, era também a do jovem rei Manuel – “ele imaginava que a mão divina impelia as explorações portuguesas”. Portugal, por ser uma terra nascida das Cruzadas, teria injetado na veia messiânica do rei a crença de que o próprio Espírito Santo o tinha inspirado “a inaugurar uma nova era global do cristianismo” em pleno limiar do século 16. Conclusão: o rei expulsou os muçulmanos de Portugal, embora sem conseguir apagar os traços de sua passagem pelo país (que vão das muralhas do castelo de São Jorge às paredes caiadas de branco).

O livro de Cliff não trata apenas do espírito belicoso de Vasco da Gama. Há também passagens engraçadas. Os portugueses nunca tinham ouvido falar de hindus – nem de budistas ou jainistas – até pisar em solo indiano. Já na África, em Mombaça, a cidade queniana fundada por mercadores árabes, os emissários de Gama, segundo o livro, viram na figura de um deus pombo uma representação do Espírito Santo. Em Calcutá, o grupo de desembarque confundiu templos hindus com igrejas cristãs, mesmo com falos esculpidos nas paredes externas. O fato é que sabiam da abominação do culto à forma humana pelos muçulmanos – e respiravam aliviados por não serem aqueles indianos submissos ao Islã e adorar partes do corpo interditas à veneração no mundo islâmico. O resto era detalhe, até mesmo porque as autoridades indianas censuravam discussões sobre religião em Calcutá.

A ignorância acabou levando os portugueses ao outro lado do mundo”, resume Cliff, descrevendo os horrores pelos quais passaram os homens de Vasco da Gama. O comandante não foi capaz de deixar a Índia quando decidiu partir. Seus homens morriam como gado, com pernas e coxas gangrenadas e gengivas infectadas. “Eles tiveram mortes terríveis, mas acreditavam, como o comandante do navio, que eram cruzados de Cristo”, conta. “Esse sacrifício os livraria da mancha do pecado”, lembra o autor, relatando o cotidiano nessas naus dos insensatos, em que fungos tóxicos contaminavam o pão, provocando vômitos e diarréia, e vermes corroíam os traseiros dos navegantes, que inutilmente tentavam se livrar dos bichos lavando o ânus com limão.

Ventos favoráveis, afinal, impediram que todos morressem nessa aventura atrás de especiarias como cravo, canela e gengibre, que esfregavam nas partes íntimas em busca de comichão erótico – se bem que é impossível imaginar tanto sacrifício por um Viagra natural. Não era o caso do comandante, que teve sete filhos.

Vasco da Gama foi de fato um comandante respeitado, por ser intransigente, firme com o inimigo e astuto na hora de fazer barganhas comerciais com os estrangeiros”, define Cliff, revelando que o título Guerra Santa lhe foi imposto por seu editor. “O original era simplesmente As Viagens de Vasco da Gama, mas a editora considerou-o sem apelo”, diz o escritor, afirmando que o objetivo inicial de seu livro, mais que discutir fanatismo religioso, era o de colocar em discussão as diferenças culturais que provocam as grandes tragédias no mundo.

Se você considerar a fundação de Roma, por exemplo, verá que há sempre a força do mito por trás da união de pessoas em torno de um causa.” Com os portugueses, acrescenta, não foi diferente. “Foi a procura de cristãos do outro lado do mundo que motivou Vasco da Gama a descobrir uma cultura diferente, mas foi também sua certeza religiosa que o levou à ruína”, conclui. De fato, o homem que elevou Portugal a um papel de liderança no comércio de especiarias, morreria longe de sua terra natal. Em Cochim. Na véspera de Natal, como convém a um cristão. E de malária, como era comum na Índia.