Atualizado em 20/04/2020.
Seguem DOIS textos. Um jocoso, outro sério. Abaixo da carta, segue Héracles e o chiqueiro contemporâneo.
Atualizado em 25/01/2021: separação em duas postagens. A e B.
Prezado, estimado, caríssimo Jairzinho,
O estágio probatório de Vossa Senhoria encerrou. Com 15 meses de serviços prestados, há longe foi o tempo para ambientação. Tendo ingressado no quadro efetivo de colaboradores, é tempo de analisar o desempenho apresentado.
Vossa Senhoria veio à nossa empresa pleitear o cargo de Limpador de Chiqueiro, e vosso currículo foi escolhido dentre os de apenas dois candidatos por indicar longa experiência em trabalhar próximo a bosta produzida em larga escala sem se sujar. Se bem lembro, o outro candidato chamava-se Helenão ou algo parecido e estava todo cheio de bosta… Todavia parece que sua expertice na área tem sido insuficiente para lidar com a crescente quantidade de bosta manufaturada diuturnamente nesta empresa.
Vossa Senhoria e vossa equipe apresentam boa iniciativa desde o início dos trabalhos. Entretanto percebo que está havendo sérias dificuldades em lidar com nossos estábulos de suínos e eqüinos. Eles continuam sendo exageradamente alimentados e geram uma imensa quantidade de bosta, muito mais do que os senhores estão sendo capazes de limpar.
Bem sabemos que os ruminantes continuam ruminando suas ruminações. É da natureza deles, e não creio que isso mude. Contudo ficou claro que essa ruminância toda impacta negativamente atingir as metas de limpeza de bosta, principalmente quando aquelas imundas bestas empacam e impedem o expediente não apenas de vosso grupo de trabalho, como também dos demais colaboradores.
Para além desse constante empacamento, que está conseguindo empacar ainda mais esta já longamente empacada e embostada empresa, creio que Vossa Senhoria não tenha dado a devida atenção a outros sórdidos produtores de bosta. Refiro-me aos morcegos-velhacos (raça típica daqui) que pairam sob as vigas estruturais de nossas instalações. Apesar de sua pouca quantidade, aqueles encapados seres especiais são capazes de originar muito mais bosta do que as centenas de bostificadores reunidos no chiqueiro. Note que os quadrúpedes mantêm as quatro patas atoladas na bosta o tempo todo, já aquelas pestes voadoras praticamente não se sujam com a bosta que fazem e lançam abaixo.
Outro problema que percebo é o inconveniente barulho que se sucede dentro e fora dos chiqueiros. Os relinches que vêm de dentro são ecoados pelos mugidos que vêm de fora. É natural que todo lambão reclame durante seu período de desmame, bem sabemos disso, entretanto Vossa Senhoria contribui para que esses embostadores façam ainda mais barulho ao não lhes impor disciplina, como se faz com qualquer animal xucro. Com isso não apenas fazem mais balbúrdia, como também, excitados, produzem ainda mais bosta.
Bem sabemos que vosso ingrato trabalho é muito difícil. Quanto mais bosta limpa, mais bosta aparece para limpar. Nossos funcionários anteriores contribuíram em muito para que chegássemos à lastimável situação em que nos encontramos. Por um lado, eu e a grande maioria dos demais colaboradores estamos muitíssimo satisfeitos com o empenho de Vossa Senhoria e de vossa equipe para a queda nos índices de desvio de recursos de trabalho. Estão mostrando serem capazes de fazer mais com menos.
Por outro lado, não podemos deixar de notar o incremento no volume de excrementos excretados dentro e fora dos chiqueiros. A quantidade de bosta chegou a níveis tão críticos atualmente que encontramos até mesmo saquinhos de bosta onde não deveriam estar. Em especial, há cinco saquinhos de bosta que merecem atenção mais cuidadosa, pois estão sujando muito mais do que o previsto.
Um saquinho de bosta bem recheado foi posto num lugar onde se acreditava que auxiliaria o processo de limpeza, mas estourou e espalhou bosta para todo lado. Outro saquinho de bosta foi colocado com propósito semelhante no lugar dum saco de bosta velho e sujo, mas cresceu rápido demais e também embostou tudo. Temos um saquinho de bosta encapado que não deveria estar onde está e que serve de calço para outros inconvenientes sacos de bosta. E, do lado de fora dos três chiqueiros, vemos dois sacos de bosta que estão crescendo, crescendo, crescendo… E fedendo. Agora já até afetam a locomoção dos colaboradores.
Compreendo que Vossa Senhoria não se sinta à vontade para esvaziar os chiqueiros. Porém a cada dia mais e mais bosta aparece em todo lugar. Fora a bosta que é produzida do lado de dentro, agora também estamos importando bosta da China. Enquanto os saquinhos de bosta atravancam nossa ordem e nosso progresso, e uma manada inutilmente útil se refastela no mar de bosta, nós (colaboradores) estamos saturados desse fedor de bosta que demora a passar.
Até onde nosso setor de RH tenha sido informado, sabemos que já teve um saquinho de cocô removido. E que o cândido e sereno sorriso de sua senhora indica que o outro saquinho está funcionando perfeitamente bem. Rogo, pois, que o use para outros fins não tão diversos a esse. Digo… Já tem experiência em remover saquinho de bosta.
Ainda dá tempo de limpar.
Um forte abraço, ‘tá ok?
Pedro Figueira – Um brasileiro bolado.
Assistente não-administrativo desta empresa chamada Brasil.