Brasil é um país que só começa após o Carnaval: festa da carne, regada a álcool e gravidezes indesejadas. Gringos de todo o mundo vêm para cá para ver (e consumir) o que temos de melhor a oferecer: bundas.
Então, vemos a grande mídia debruçar-se sobre a história de uma debruçada loira cavala que em si injetava anabolizante de cavalo em doses cavalares. Nossa protagonista, lamentavelmente vítima de sua própria vaidade, (ou melhor, seu cadáver) serve de banquete farto aos midiáticos carniceiros de nossa amada imprensa, obcecados por loiras e bundas. A trágica e evitável morte de nossa desassistida e desorientada irmã é o de menos: o que importa é encontrar suas fotos de biquíni, preferencialmente fio-dental, e mostrar sua generosa e metacrilada bunda.
Eu particularmente não admiro tanto mulher cavala, mas fazer o quê? Estampam capas de revista e aparecem em programas de TV porque essa é a preferência da grande maioria de nossos compatriotas, e, portanto, matéria (ou material) de interesse nacional por maioria de votos. Viva a democracia! Aliás, quem se importa com o sofrimento alheio, se podemos ter bundas, não é? E a irreparável perda da bunda da loira é sim motivo de concentrar toda a atenção pública sobre o que realmente importa: …
… não sei. Realmente não sei. (De verdade, durante a produção deste texto, neste parágrafo mesmo, travei. Eu não sei mais o que importa para o povo brasileiro.)
Durante todo o ano de 2015, a gente ficou reclamando de crise: que a crise isso, que a crise aquilo… Daí vieram as festas de fim de ano, e a crise não foi impedimento para o povão comprar um monte de tralhas no Natal e encher o rabo de comes e bebes. E continuamos a reclamar da crise, para fazer milionária festa de ano com milhões na praia, com direito a foguetório e mais comes e bebes no rabo. Duas semanas antes da festa pagã, o Brasil em polvorosa, preparando, e por vezes já consumindo, seus comes e bebes e bundas. Cadê a crise?
Janeiro, “período entre festas”, mês de férias e praia e aumento de encargos sagazmente enrabados no ora de porre contribuinte, já passou. Esquecemos completamente a crise, pois agora é Carnaval. Ou a crise não é tão grave assim, ou o povo e a imprensa não têm noção ou definição de prioridades. Ninguém mais se importa com impeachment, esqueceram o Eduardo Cunha, esqueceram a tragédia em Mariana, esqueceram as preparações para as Olim-piadas, esqueceram até que este é ano de eleição!
Sei bem que esse surto de amnésia seletiva coletiva passará após a ressaca da quarta-feira de cinzas, que só acontece na segunda-feira seguinte, após o desfile das campeãs. Mas e aí? Podemos realmente esperar alguma mudança?
Historicamente sabe-se que todos os países que sediaram tanto a Copa da FIFA, quanto os Jogos do COI, sofreram com graves recessões econômicas. O Brasil teve a brilhante idéia de sediar ambos em menos de dois anos. Já estamos em recessão, agravada pela Copa e que possivelmente piorará com os Jogos. Inflação galopante, preço do petróleo em queda livre, dívida externa impagável, desvalorização monetária humilhante, perda de lastro, isolamento econômico, contas públicas quebradas. O Brasil faliu. E ainda não chegamos ao fundo do poço!
Crise política anunciada: uma presidente incompetente, péssima gestora, gerindo uma equipe desequipada, durante um terceiro turno que está durando mais de um ano. “Nunca antes na história deste país” houve homem tão honesto quando o Santo Molusco, sua co-mandatária cara metade, hoje envolvida em escândalos fiscais. Já o Duduzinho está feliz da vida, pois o esqueceram por enquanto, e pode aproveitar o recesso do Congresso com sua esposa e o treinador de tênis.
Em nossa esburacada cidade, que se prepara para receber os Jogos, multam mijões e guimbeiros, enquanto flanelinhas extorquem em vias públicas; expulsam pobres e põem favelas abaixo para construir condomínios de luxo; o Favela-Bairro torna bairros em favelas; as UPP’s espalham bandidos pela cidade; a Lagoa está imunda (e o resto também).
Como é possível que tenham esquecido isso? Esqueceram até o Ebola! Mas isto tem um motivo: o Ebola está matando pretos pobres desnutridos na África. Eles lá que se danem. Já o Zika está fazendo crianças brancas ricas bem nutridas daqui nascerem com problemas. Aí é importante e por isso sai na manchete. Mas não precisamos mais nos preocupar: lembra quando o Ebola atingiu a Europa? Em dois meses criaram vacina. Pois se já nasceu uma criança seqüelada nos Estados Unidos, então a cura é próxima.
No que pergunto: quais são os valores e as prioridades da gente? Será que a dor humana está tão banalizada? Será que o sofrimento de um irmão desconhecido vale tão pouco? Estamos mesmo em crise ou não? Há clima para festa e Carnaval?
O que é importante, afinal?
Esqueceram o laudo da explosão em São Cristóvão, esqueceram do garoto que bateu com a cabeça na ambulância no Salgado Filho, esqueceram a enfermeira que morreu de piti, esqueceram o Palace 2, esqueceram a Cidade da Música, esqueceram as vigas da Perimetral, esqueceram a crise na saúde e, infelizmente, também esquecerão a bunda da loira cavala.
Nossa protagonista, até outrora próxima desconhecida, conseguiu a fama que almejava, pagando com sua própria vida. Mas ao que parece, sua tragédia não é mais importante que sua bunda. Teve seus 15 minutos. E sua curta e triste vida será em breve esquecida… “E vivas ao Carnaval!”…
Pelos céus… no que estamos nos tornando?