Infância ameaçada: série sobre abuso sexual infantil (parte 4).

PERIGO DENTRO DE CASA
WILIANE PASSOS: jornalista
Texto adaptado

Eram três da manhã quando Camila1 acordou sua mãe. “Preciso de ajuda! Não estou conseguindo dormir e tenho que contar uma coisa: eu não quero ir com vocês amanhã”, a garota revelou.

Ela então revelou que, em uma visita à casa dos avós, um dos tios se aproximou e disse que queria tocar em suas partes íntimas. Não foi a única vez que isso aconteceu. A menina se sentia muito incomodada com a situação, mas sofria em silêncio. Camila tentou compartilhar o ocorrido com uma prima que, ao ouvir o relato, não acreditou na história e a orientou a não falar sobre isso com mais ninguém. Casos desse tipo são mais comuns do que imaginamos.

Segundo o “Relatório do Status Global sobre Prevenção da Violência contra Crianças 2020”, divulgado pela ONU, quase metade de todas as crianças no mundo sofrem violência física, sexual e psicológica regularmente (acesse: link.cpb.com.br/823410). O abuso sexual é geralmente cometido por pessoas próximas, nas quais a vítima confia.

Aline1 sofreu esse tipo de abuso dos 7 aos 11 anos. “Minha mãe foi a primeira pessoa para quem tive coragem de contar, aos 13 anos. Mas só fiz isso depois que o abusador, que era o esposo da minha tia, havia se mudado para outro país”, relata.

A mãe de Aline foi a única pessoa que acreditou nela. Ao revelar o que estava acontecendo, a garota ficou surpresa com o fato de que a mãe também tinha sido abusada por um familiar. “Infelizmente, é muito mais comum do que a gente imagina”, ela realça.

É crucial prevenir a violência contra crianças e adolescentes e compreender as diversas formas pelas quais ela ocorre. “Qualquer ato que pretende gratificar ou satisfazer as necessidades sexuais de outra pessoa, incluindo indução ou coerção de uma criança para engajar-se em qualquer atividade sexual ilegal”, configura-se como abuso e exploração sexual infantil, conforme define o Ministério Público do Paraná, no Brasil. Isso inclui também o uso de crianças em prostituição ou em atividades e materiais pornográficos.

Um dos principais desafios enfrentados pelas autoridades policiais ao investigar casos de abuso sexual infantil é que, por ocorrerem no ambiente familiar, as vítimas geralmente não denunciam. Quando o fazem, podem enfrentar dificuldades na comprovação e ser desacreditadas pelos familiares, o que desencoraja novas denúncias, conforme explica Leonardo Pinaffo, delegado no Brasil.

VÍTIMAS VULNERÁVEIS
O abuso sexual infantil é um tema que ainda encontra resistência, preconceito e o silêncio das vítimas e suas famílias.

Por isso, as estatísticas reais ficam comprometidas. Segundo um estudo da Rainn, uma das maiores organizações sociais dos Estados Unidos que atuam na luta contra a violência sexual, em 93% dos casos as vítimas menores de 18 anos conhecem o agressor.

A delegada Danielle Lima Matias dos Santos, especializada em casos de violência sexual infantil, destaca a importância de acreditar na palavra da vítima nesse tipo de crime, pois geralmente não há testemunhas. A palavra dela, registrada no momento da ocorrência, orienta a investigação e o processo penal. Danielle ressalta ainda que muitas vítimas demoram anos para denunciar devido a ameaças, falta de conhecimento ou de proteção, o que dificulta a investigação e a obtenção de provas.

Já em 2011, uma revisão de 217 estudos revelou que uma em cada oito crianças no mundo (12,7%) era vítima de abuso sexual antes dos 18 anos (“A Global Perspective on Child Sexual Abuse: Meta-Analysis of Prevalence Around the World”, Child Maltreatment, v. 16, nº 2, p. 79-101). O relatório intitulado “A New Era for Girls: Taking Stock of 25 Years of Progress”, publicado pelo Unicef em 2020, estima que uma em cada 20 meninas entre 15 e 19 anos (aproximadamente 13 milhões) foi forçada a fazer sexo em algum momento da vida.

A psiquiatra Maria Gabriela Dias Aragão, especialista em sexualidade humana, sublinha que os pais devem observar sinais tanto nas crianças quanto nos familiares para prevenir casos de abuso sexual infantil dentro de casa. Ela revela que a criança vítima desse ato pode ter dificuldade em estabelecer vínculos de confiança nas relações afetivas e distúrbios no desenvolvimento da sexualidade. Aline, a vítima mencionada no início desta reportagem, conta que o abuso impactou profundamente sua personalidade, seus relacionamentos e sua vida em geral. Quando aceitou o pedido de casamento de seu então namorado, viu-se confrontada com a turbulência emocional e o medo de como o trauma afetaria sua vida conjugal. Ela percebeu a necessidade de buscar ajuda profissional para lidar com os efeitos da violência. Esse apoio é fundamental, pois vai do diagnóstico ao tratamento, provendo os cuidados necessários no âmbito multidisciplinar. Além disso, o profissional pode atuar como testemunha e prestar depoimento em casos que forem judicializados.

PERIGO NO AMBIENTE VIRTUAL
O abuso sexual também se propaga no mundo virtual. Em 2022, a Internet Watch Foundation (IWF), organização que atua na luta contra o abuso sexual infantil on-line, recebeu 375.230 relatórios e confirmou 255.571 endereços de páginas na internet com imagens de abuso sexual infantil. A cada 2 minutos, eles removem uma foto de criança sofrendo abuso sexual e recebem mais de 7 mil denúncias por semana. Um relatório de 2020 do Unicef mostra que meninas são as vítimas mais recorrentes dos crimes virtuais, atingindo 12,9% das norte-americanas entre 14 e 17 anos, e 15% das espanholas de 12 a 15 anos (“Action to End Child Sexual Abuse and Exploitation”, p. 5).

Por isso, os pais e cuidadores devem orientar e filtrar o acesso à internet, promovendo o uso seguro e educativo. O monitoramento e diálogo contínuos são essenciais para reduzir os riscos de abuso e exploração sexual on-line. A falta de controle pode facilitar o contato de agressores com as crianças, resultando em exploração e compartilhamento de material abusivo. Afinal, mídias sociais, aplicativos de bate-papo, fóruns e games têm sido usados pelos agressores.

FALTA INFORMAÇÃO
Aline e Camila demoraram anos para falar sobre o abuso que sofreram devido à falta de orientação e segurança em seus ambientes. Aline ressalta a importância de projetos que tratem abertamente do assunto em igrejas, escolas e lares. Ela também encoraja os pais a ouvir seus filhos, saber onde estão e com quem estão brincando. Informar-se a respeito do assunto é uma forma de proteger as crianças e estar preparado para ajudar outras pessoas.

Segundo a psiquiatra Maria Gabriela Dias Aragão, existem sinais e sintomas comuns em crianças que foram vítimas de abuso sexual. Mudanças comportamentais como retração social, exibicionismo e agressividade podem ser indicativos.

É importante notar que a criança adotará comportamentos que não são comuns para ela. Reações repentinas, silêncio predominante, proximidades excessivas, comportamentos sexuais, falta de apetite, afastamento dos amigos e notas baixas na escola também podem ser sintomas de abuso.

A delegada Danielle Lima sugere algumas medidas que podem ajudar na prevenção do abuso sexual infantil. A primeira delas é a educação sexual desde cedo, ensinando a criança a identificar partes íntimas, limites e toques abusivos, além de incentivá-la a falar sempre a verdade (veja o artigo da p. 14).

PERFIL DOS ABUSADORES
Abusadores geralmente têm relações próximas com a família, são sociáveis e se dão bem com a criança. Eles se mostram como cuidadores, buscam ganhar sua confiança e dedicam mais atenção a ela do que aos outros. Muitas vezes, essas pessoas passam tempo compartilhando atividades com crianças. Podem ser treinadores, babás, professores, etc. Afirmam amar as crianças e usam truques, atividades e brincadeiras para ganhar sua confiança. Podem pedir que a criança guarde segredos e usam ameaças para amedrontá-la. As brincadeiras freqüentemente envolvem carinho, beijos e toques inadequados. Além disso, essas pessoas podem expor a criança a material pornográfico e tentar extorqui-la e suborná-la, misturando essas ações com afeto e amor para confundir e isolar.

De acordo com o estudo intitulado “Perfil Psicológico de Delincuentes Sexuales”, publicado na Revista de Psiquiatría da Faculdade de Medicina de Barcelona, o abusador de crianças geralmente não usa violência (acesse: link.cpb.com.br/8ed90c). Ele consegue convencê-las a manter o relacionamento por meio da manipulação da inocência e vulnerabilidade infantil. Esse comportamento é conhecido como pedofilia e, de modo geral, requer tratamento psiquiátrico, pois é difícil ser mudado sem ajuda profissional.

AJUDA
Para prevenir o abuso sexual infantil são necessárias ações que promovam um ambiente seguro para o desenvolvimento das crianças. Fortalecer a rede de apoio, conscientizar sobre os sinais e as conseqüências do abuso infantil, oferecer suporte e tratamento a familiares com transtornos mentais e detectar precocemente situações de risco são algumas estratégias eficazes.

Denúncias podem ser feitas de forma anônima por meio de diversos canais, incluindo sites, aplicativos e até o WhatsApp. É importante que os adultos se informem sobre esses casos e estejam dispostos a denunciar. As informações fornecidas ajudam a identificar os responsáveis e garantir a segurança dos menores.


Fonte: https://downloads.adventistas.org/pt/ministerio-da-mulher/materiais-de-divulgacao/quebrando-o-silencio-2024/


  1. Os nomes foram alterados para preservar a identidade das vítimas. 

Infância ameaçada: série sobre abuso sexual infantil (parte 3).

A prevenção contra o abuso começa na educação da criança no ambiente familiar
ANNE SEIXAS
Texto adaptado

No dia a dia, é comum que os pais não atentem para alguns detalhes que podem abrir brechas para a violência. Mas algumas medidas simples ajudam a prevenir o abuso sexual infantil. Veja a seguir dez recomendações do que fazer para preservar a integridade das crianças:

Não mostre o corpo do seu filho em fotos e vídeos na internet.
Se precisar trocar as roupas dos pequenos em lugares públicos, certifique-se de que não os está expondo. Você nunca sabe se tem alguém tirando fotos ou filmando crianças visando à exploração sexual.
Quando receber visitas que irão dormir em sua casa, a criança deve dormir com você.
Não incentive a proximidade física, como sugerir que ela beije ou abrace alguém.
Valorize a fala da criança e reafirme o fato de que você sempre acreditará na palavra dela.
Nunca a deixe sozinha em um local público, especialmente banheiros.
Apresente as pessoas de sua rede de proteção, ou seja, aquelas a quem ela pode recorrer diante do problema.
Fale sobre toques não permitidos, que é consentimento e a importância dele. Dessa forma, a criança saberá descrever o que aconteceu, caso alguém a toque de maneira indevida.
Ensine sobre as partes do corpo, nomeando todas elas.
Fale sobre as emoções e ajude a criança a se expressar.

Fonte: Leila Cavalcante, psicóloga, criadora do Projeto PAS (Prevenção do Abuso Sexual na Infância) e especialista em educação sexual e emocional.


Fonte: https://downloads.adventistas.org/pt/ministerio-da-mulher/materiais-de-divulgacao/quebrando-o-silencio-2024/

Infância ameaçada: série sobre abuso sexual infantil (parte 2).

FERIDAS ABERTAS
Crianças violentadas na infância podem crescer com dificuldades de relacionamento e precisam de ajuda profissional.
JEFFERSON PARADELLO entrevista PABLO CANALIS
Texto adaptado.

Assim como as rasuras em um caderno deixam marcas, o abuso sexual infantil também mancha a história de crianças que foram vítimas desse crime durante seus primeiros anos de vida. Em muitos casos, a compreensão do que aconteceu em um quarto escuro ou até mesmo em um ambiente por onde transitam mais pessoas só faz sentido anos depois, trazendo prejuízos que podem afetar, inclusive, os relacionamentos nas mais diferentes esferas.

Embora possam ser suavizadas a partir da ajuda de familiares e profissionais, as marcas da dor continuarão lá, conforme o médico Pablo Canalis explica nesta entrevista. Pós-graduado em Psiquiatria e em Medicina da Família e Comunidade, ele tem 15 anos de experiência em atendimentos que envolvem, também, pessoas que tiveram sua infância desonrada pelo abuso de quem de- veria protegê-las. A seguir, ele aborda como construir uma relação saudável, respeitosa e madura apesar do passado.

Quando alguém que foi vítima de violência sexual na infância compreende o que aconteceu?
Depende muito da idade, mas geralmente entre 6 e 9 anos. Quando não há informações prévias sobre isso, ela não compreende o que está acontecendo. Pode apenas sentir que aquilo está errado, mas não sabe o motivo. Especialmente porque o abuso sexual é cometido com mais freqüência por pessoas que são próximas da família. Há casos também em que isso é feito por outras crianças, como se fosse uma “brincadeira”.

De que maneira isso impacta a mente dessa criança? Ela tende a culpar a si mesma ou ao seu agressor?
A pessoa tende a se culpar porque o agressor coloca a culpa na criança. Normalmente essa culpa se sustenta até a idade adulta. A criança que sofre abuso geralmente fica retraída e pode até mesmo ter problemas para ir ao banheiro. Esse é um tipo de atendimento feito com muita freqüência pelos pediatras. Geralmente, as mães levam os filhos ao médico porque eles voltaram a fazer xixi na cama ou a defecar nas calças. Isso impacta bastante a mente da criança, criando confusão e levando a um peso de culpa muito forte.

E quanto aos efeitos na fase adulta?
O abuso pode impactar a vítima de diversas formas, resultando em doenças como depressão, transtornos de personalidade e bipolaridade. Principalmente nos quadros depressivos, isso pode ser acompanhado de ideação suicida. Também afeta o desenvolvimento psicológico da sexualidade, o que pode prejudicar o relacionamento amoroso. Quando um evento traumático assim ocorre, a vítima tende a se isolar em vez de buscar um relacionamento afetivo estável. De forma geral, os problemas nessa fase são muito presentes, mas também existe uma porcentagem pequena de pacientes que sofreram abuso e não se vêem alterados do mesmo jeito que outras pessoas. Além da capacidade de resiliência, o nível com que foram afetados é menor.

E quanto à construção de uma nova família? Quando as vítimas não contam com auxílio, sobretudo profissional, quais podem ser os resultados?
Algumas pessoas não têm problemas para constituir uma família, mas muitas se vêem em uma situação de desconfiança e criam problemas no relacionamento sexual. Elas precisam muito mais de fatores de confiança que a ajudem a se unir ao seu cônjuge.

O que alguém que hoje sofre com essa dor deve fazer para encontrar alívio? Existe saída?
Temos muitos preconceitos com a saúde mental, por diferentes razões, mas atualmente há muito amparo acadêmico para entender quão importante é uma boa terapia. Também é importante aliar o tratamento ao vínculo familiar adequado, com uma vida espiritual saudável, alimentação adequada, atividade física e realização no trabalho. Tudo isso faz parte do dia a dia, e esse todo precisa ser tratado para ter bons resultados ao se enfrentar qualquer doença ou situação que envolva a saúde mental. O cérebro é parte fundamental do nosso corpo e precisamos cuidar muito bem dele.


Fonte: https://downloads.adventistas.org/pt/ministerio-da-mulher/materiais-de-divulgacao/quebrando-o-silencio-2024/

Infância ameaçada: série sobre abuso sexual infantil (parte 1).

Como escrevi anteriormente, meus estudos sobre religião são abrangentes, diversificados. Nessas andanças, tive acesso à publicação periódica da Igreja Adventista “Quebrando o silêncio” especial de 2024 que versa sobre abuso sexual de crianças e adolescentes. Nesta série citativa, procurarei adaptar os textos, removendo a parte proselitista e promovendo a parte laica.


PROTEJA SEU LAR
A maioria dos casos de abuso sexual infantil ocorre no núcleo familiar. Prevenir essa realidade está em nossas mãos
JEANETE LIMA: educadora e coordenadora do projeto Quebrando o Silêncio na América do Sul
Texto adaptado.

Fechar portas e janelas, ativar alarmes e instalar grades e câmeras de monitoramento são medidas importantes para preservar a segurança de uma casa. Mas o que deve ser feito para proteger fisicamente e emocionalmente as pessoas que vivem em nosso lar, especialmente as crianças e adolescentes? Sem dúvida, a família é o nosso maior patrimônio e precisa ser protegida das ameaças que, às vezes, estão mais perto do que se imagina.

Depois de assistir a uma palestra sobre abuso sexual, Joana (nome fictício), de 57 anos, pediu para conversar com a palestrante. Entre soluços, ela contou que, dos 9 aos 14 anos, havia sido vítima desse crime. Um cunhado, esposo de sua irmã mais velha, tinha livre acesso ao quarto dela todas as vezes que visitava a família nos fins de semana. Durante a noite, ele a beijava e acariciava suas partes íntimas. Desde a primeira vez, Joana pediu ajuda, mas a família ignorou sua fala, alegando que era fantasia da sua cabeça, pois o cunhado jamais procederia daquela forma. Além da culpa, ela carregou as cruéis conseqüências dessa agressão durante anos. Tinha confusão de pensamentos, baixo rendimento no trabalho, crises de pânico, sérios problemas no relacionamento sexual com seu esposo, além da sensação de abandono por sua própria família, que não a protegeu. Com ajuda profissional, Joana está vivenciando um processo de restauração e cura. Sim, mesmo quando o pior acontece, é possível superar os profundos traumas do abuso sexual.

Segundo o “Relatório do Status Global sobre Prevenção da Violência contra Crianças 2020”, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), uma em cada oito crianças sofre algum tipo de violência (física, psicológica ou sexual). Essa estatística é assustadora porque é nessa fase que crianças e adolescentes têm maior potencial para um desenvolvimento saudável. Os números revelam também que o perigo, muitas vezes, mora dentro da própria casa. Dados do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde brasileiro, intitulado “Notificações de Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Brasil: 2015 a 2021”, revelam que 68% dos casos de abuso contra crianças e 58% das ocorrências contra adolescentes são praticados por familiares e conhecidos. Porém, esses números alarmantes não representam a realidade completa, pois muitos casos ficam sem denúncia.

Diante dos fatos e traumas que envolvem o abuso sexual infantil, não podemos ficar indiferentes. A Bíblia nos aconselha: “Não se deixe vencer pelo mal, mas vença o mal com o bem” (Romanos 12:21).

Finalmente, é preciso entender que a violência sexual é crime e que o abusador deve ser denunciado às autoridades competentes. Você verá nesta edição que cabe a nós proteger nossas crianças, garantindo a elas o amor, a segurança e o auxílio de que precisam. Embora não seja possível mudar o passado, vamos quebrar o silêncio e ajudar a construir um futuro diferente e melhor para elas.


Fonte: https://downloads.adventistas.org/pt/ministerio-da-mulher/materiais-de-divulgacao/quebrando-o-silencio-2024/

Como é ser mesário?

E então, como é ser mesário?

Completando esta trilogia cívica, relato a quem curioso esteja como é o típico dia de um típico mesário suburbano carioca. Eu havia sido mesário e presidente de seção há muitos anos, mas acabei esquecendo os detalhes dessa deliciosa experiência de servir à nação.

Você acorda mais cedo que quase todo mundo. Menos o pessoal do TRE e os presidentes de seção, que já estão lá te esperando no local de votação. Cheguei às 06h20, para tirar a zerésima às 07h00 e começar a receber o povo às 08h00.

O trabalho é realmente muito muito simples. Recebe pessoa, cata nome, manda votar, entrega papel, chama o próximo. Recebe pessoa, cata nome, manda votar, entrega papel, chama o próximo. Vai almoçar, engole um bate-entope e volta. Repete os passos 1 e 2 e o dia já acabou. (Realmente passa muito rápido.) É um dos serviços mais tranqüilos que você poderia ter. De novidade, só não gostei que criança não pode mais acompanhar o adulto para votar. Todos nós mesários votamos com nossos pais. Era uma forma de transmissão do civismo. Agora não pode mais… |:^/ Ao final, você empacota tudo e manda para o TRE.

Eu me lembrava só dessa parte. Parece que minha mente se esqueceu de um pequeno detalhe: o povo. Estamos falando de seres sem as mais rudimentares noções de urbanidade, espaço pessoal e até mesmo higiene. É certo que não sou exemplo de elegância, etiqueta e garbo. Muito menos simpatia. Porém isso não invalida meu sentimento de repugnância ao ver que votam:

  • A velharia que chega duas horas antes de os portões abrirem para “não esperar na fila”;
  • O sujeito que pára em frente à urna sem saber apertar botões;
  • Mulheres diferentes revezando a mesma criança para ganhar prioridade;
  • Os homens que aparecem segurando aquela mesma criança no colo para ganhar prioridade também;
  • E uma vagabunda desgraçada batendo numa criança de colo;
  • Pessoas completamente desorientadas sem saber o que foram fazer ali;
  • Mulheres usando roupa de boate (ou prostíbulo);
  • E gente molambenta não por pobreza, mas por desleixo;
  • O sujeito que lambe o dedo antes de registrar a digital e baba o aparelho todo (lambeu e babou umas 4 vezes);
  • A pessoa que quer fugir com o comprovante sem ter votado;
  • A pessoa que arranca a caneta da sua mão;
  • E o que mais me causa espécie: ver como as pessoas conservam e tratam seus documentos de identificação (trauma bancário).

O sujeito que pára em frente à urna sem saber apertar botõesnão tem condições intelectuais suficientes para fazer bom juízo acerca de quem deve administrar o aparelho estatal. Já aqueles que demonstram mesmo em suas pequenas ações cotidianas uma personalidade egocêntrica, não têm índole para fazer escolhas que beneficiem a sociedade antes de si mesmos. Metade das pessoas em minha seção eleitoral não foi votar. E, da metade que foi, parte considerável não deveria ou merecia ter o direito de votar (uns 25% talvez…).

Ao menos dentro da zona (eleitoral) há alguma parcimônia nos temperamentos. No entorno, porém, a situação beira o ridículo. Todas, repito-me, todas as biroscas de meu bairro estavam fazendo churrasco. Nunca vi em todos estes anos de eleições tanta gente nas ruas, bebendo e gritando, entre pagodes e arruaças, sobre a imundície de um mar de santinhos em que escorreguei (não cheguei a cair). Saindo de meu local de eleição, diretamente à frente, há um bar. Estava mais do que lotado: as mesas estavam ocupando boa parte da rua impedindo a passagem de carros.

Estavam embebedando-se desde o início da manhã e continuam as ébrias esbórnias até agora, tarde da noite.

Esse é o povo que vota. Tem o governo que merece.
Cumprida minha obrigação cívica, retorno para casa.
Minha mãe me fez tomar banho de sal grosso (ela rezou o terço de São Miguel).
E ganhei R$ 60,00 de vale-coxinha pelo dia.

Não posso mais porque cortei o glúten… :-(

Você confia nas urnas eletrônicas?

Seguindo minha publicação anterior, aproveito para contar outra anedota de minha vida.

Aproximando-se do dia das eleições, no qual estarei seqüestrado ao serviço público involuntário, comentei com alguns colegas de trabalho sobre a convocação. Conversas vão, conversas vêm, numa dessas, um colega disse que gostava tanto que tentou ser mesário voluntário (algo civicamente admirável), mas infelizmente não poderia desta vez. Outro colega disse que estava evitando a todo custo mudar de zona eleitoral, com receio de ser capturado como eu e, por isso, vota bem longe de casa. Numa dessas conversas, surge o assunto da urna eletrônica.

Minha objeção à atual urna eletrônica é bastante simples, muito mais simples do que qualquer tecnicidade: ela não é suficientemente transparente ao homem médio (eu).

Eu sigo o entendimento da alta corte alemã: não importa o quão “segura e inviolável” a urna seja, mas sim importa que não paire qualquer dúvida quanto ao pleito. Por isso lá, apesar de as urnas serem eletrônicas, elas têm o voto impresso, que permite a conferência entre o resultado e a votação por qualquer do povo.

Em Taiwan, maior produtora de computadores do mundo, o voto é em cédula. Nas últimas eleições da França, estava praticamente certa a vitória da direita. Todas as pesquisas apontavam a direita como vencedora (com larga vantagem). Após as eleições, a surpresa: a esquerda venceu novamente. Por que não houve questionamento do resultado eleitoral? Porque a votação também é em cédula. Os votos foram contados na frente de todos, não havia o que reclamar. Perdeu? Aceita que dói menos. Na Venezuela a eleição é em cédula, o que permitiu a comprovação internacional de que Maduro perdeu as últimas eleições (o que não faz diferença para um ditador).

Eu defendo que a conferência pública e auditável dos votos é necessária para que não se permitam dúvidas quanto à lisura do pleito. Para que não ocorra novamente algo similar ao fatídico 8 de janeiro de 2023, quando uma manada acéfala arruinou a imagem (e os argumentos de pacificidade) da atual oposição.

Após aprender programação, concluí que a zerésima não prova nada se o eleitor não tiver acesso ao código-fonte. Não o código apresentado pelo tribunal, mas o código que foi instalado in loco em cada máquina. Nenhum eleitor tem acesso a isso. Na prática, nós brasileiros temos que confiar na palavra Tribunal Eleitoral de que nenhum técnico, servidor, hacker, criminoso, partido ou cabo eleitoral, ninguém dentro ou fora da organização teve acesso ao código. Que o sistema inteiro é incorruptível, indevassável e infalível. Temos que acreditar piamente que ninguém teve a chance de fazer alguma tramóia lá dentro (ou no dia da eleição).

Você confia tanto assim no Estado Brasileiro? E na sua capacidade de enfrentar a criminalidade?

Um dos meus atuais colegas de trabalho trabalhou na implantação das urnas eletrônicas, quando era de outra instituição. Ao mencionar que eu não confio nas urnas eletrônicas, visivelmente exaltado e exasperado, em sua defesa da urna nossa conversa foi mais ou menos assim:

— Eu não continuo não confiando na urna-eletrônica.
— Isso é um problema seu.
— É um problema de todo mundo. Ninguém tem acesso ao código-fonte.
— Os partidos políticos e o alto escalão têm. Se você tivesse se qualificado para ver o código, poderia ver.
— Mas eu sou o eleitor. Tenho o direito de saber se meu voto foi computado.
— É só não ir votar, que você terá certeza de que seu voto não será computado.
— Então eu não tenho o direito de questionar?
— Não.
— Posso apresentar algum outro argumento?
— Não.
— Pelo menos eu tenho o direito de saber se meu voto foi computado?
— Não.

E assim, com um rotundo, seco e bem claro “não”, tive minha resposta de alguém que trabalhou no desenvolvimento do sistema.

Cabe ao leitor decidir por si mesmo se confia ou não no sistema eleitoral brasileiro.


Estude mais sobre o assunto: https://insightinteligencia.com.br/quem-nao-confia-nas-urnas-eletronicas/


Editado em: 05/10/2024

Uma amiga levantou uma questão sobre o texto acima, pois parece que não deixei claro. Gostaria de esclarecer uma posição.

Eu definitivamente não concordo em voltar com o voto em cédula no Brasil. Os exemplos que citei foram usados para demonstrar que a contagem e auditoria públicas de votos permitem a impossibilidade de aventar questionamentos quanto à lisura do processo. O ponto que defendo é que a mera possibilidade de podermos questionar se o processo eleitoral é honesto ou não fere a transparência e a credibilidade necessárias para o exercício do sistema democrático.

Países mais evoluídos permitem até mesmo que votações sejam realizadas pelos correios ou pelo celular. A tecnologia em si mesma não é o problema, mas sim o grau de credibilidade no sistema sob a perspectiva dos governados. Por exemplo, na Estônia, um pequeno país cuja sociedade apresenta alta credibilidade mútua, as eleições são feitas pelo celular. Isso seria impossível no Brasil, um país gigantesco e reconhecidamente corrupto.

Não há panacéias. Defendo que cada sociedade deva desenvolver soluções adequadas às suas próprias realidades. Votar em cédula no Brasil sempre foi um caos. Urnas furtadas, violadas, votos fantasmas e baixa participação dos indivíduos iletrados. A urna eletrônica serve para combater exatamente isso. Mas ela se tornou um instrumento para ocultar metade do processo eleitoral, a contagem dos votos, que por sua natureza deve ser pública.

Retornar ao voto em cédula no Brasil seria um retrocesso de décadas. Não ter o concomitante voto impresso, a auditoria pública, é um atraso de séculos.

Intimidações eleitorais

Sempre que recebo intimação do governo, eu chamo de ”intimidação”. Meus amigos que trabalham com Direito não gostam, então eu chamo assim ainda mais. huehue

Mais uma vez fui contemplado com a subtração de pelo menos um domingo. O governo decidiu pelo meu arrebatamento e, após tantos anos, serei mesário de novo. Tenho certeza de que, se suas excelentíssimas eminências tivessem lido as coisas que escrevi sobre as urnas eletrônicas, não teria sido convocado. Provavelmente iria preso mesmo… |:^(

Fui mesário e presidente de seção quatro vezes no passado, ainda à época em que trabalhava no Banco do Brasil. Essa empresa chinfrim não me pagou os dias devidos. Sabe, quando você trabalha para a justiça eleitoral, além de você ganhar o vale-coxinha do dia, você ganha alguns dias de folga em seu trabalho. São dois dias para os mesários e quatro dias para os presidentes de seção. Isso é remanescência da época em que a votação era feita por cédulas em papel. Esses dias eram os usados para fazer a contagem manual das cédulas. Hoje a votação é eletrônica, não existe mais a contagem (se é que você me entende), mas os dias continuam sendo dados.

Acontece que o Banco do Brasil se recusou a dar meus dias como presidente de seção e só me deu os dias como mesário (metade). Primeiro emprego; vinte anos de idade; sabendo nada da vida; não reclamei. Não foi só isso que os patifes deixaram de me pagar, mas pararei por aqui mesmo: contar as peripécias que vivi naquele rendez-vous daria um livro inteiro. Só que a féria do livro não pagaria os calmantes para segurar a vontade de esganar uns e outros…

Voltando às eleições e à política brasileira (esta, outra patifaria e rendez-vous), até que trabalhar como mesário é tranqüilo. Eu reclamo que é uma chatice ficar com o bumbum quadrado de esperar o pessoal para votação, mas no fundo acho bacana a gente participar de alguma coisa cívica.

Eu também gosto de ficar vendo formiguinhas andando enfileiradas, então pode ter alguma coisa a ver.

Este ano mamãe e eu fomos fazer a tal da biometria. Eu não gosto nem um pouco dessa história de o governo, ou qualquer um, coletar meus dados biométricos. Darei um exemplo para explicar como penso. Você tem uma conta no banco e conseguem roubar sua senha. Você bloqueia a conta, muda a senha, problema resolvido. Você tem um cartão de crédito e conseguem clonar seu cartão. (Já aconteceu comigo. Três vezes. E, sim, no mesmo banco patife citado acima.) Eu pedi o bloqueio do cartão, mudei a senha, pedi segunda via do cartão, problema resolvido.

Você deu sua digital para o banco. Roubaram sua digital. Não tem segunda via. Acabou. Para o resto da sua vida sua informação personalíssima estará comprometida, pois sabe-se lá quem vai ter acesso a esse dado dali em diante? Por isso eu me recuso a dar meus dados biométricos para qualquer empresa. Hoje ela está com um dono, amanhã com outro… Funcionários vêm e vão… Eu não sinto segurança nenhuma nisso.

Agora responda: você crê ser seguro dar esse dado tão precioso para o governo? Nem me refiro ao governo brasileiro, refiro-me a qualquer governo no mundo. Será que, depois da Peste Chinesa e do caos que foi essa fase tão recente que escancarou a completa incompetência e prepotência de proto-ditadores, ninguém aprendeu nada?

Veja mais: Guia da pandemia: o vírus corona no Brasil e no mundo.

Seja como for, fui obrigado (por aquele cujo nome não pode ser pronunciado versão brazuca) a fornecer minha digital, foto de meu lindo rostinho, minha assinatura… Faltou só o exame de fezes. Alguns meses depois de esse recadastramento ter sido feito, fui recapturado para ser mesário. Recebida a carta intimidatória, aproveitei que a UERJ está mais uma vez em estado de greve e que hoje não teve expediente para ir lá resolver.

Mais um típico dia tranqüilo e pacífico em meu local de trabalho.

Levei toda a documentação, até crachá do emprego. Não precisou de nada além do número do título e tudo foi resolvido em menos de cinco minutos. A atendente conferiu meus dados, pediu para eu repetir o número de telefone cadastrado e me incluiu no grupo de zapzap da zona eleitoral. E eu pensando com meus botões: “é sério isso?”.

Veja mais: Por que eu odeio ter celular?

Minha aversão ao zapzap se deve a vários fatores, que podem ser conferidos no texto acima. Porém, à parte de minha repulsa pessoal, essa foi uma decisão administrativa que me incomodou. Pois não apenas centenas de números de telefone ficaram disponíveis para mim, como também o meu número de telefone ficou disponível para centenas de pessoas. É só clicar em “informações do grupo” que aparecem fotos e números de telefone de todo mundo.

Eu fiz os cursos sobre a nova Lei de Proteção de Dados Pessoais. Em meu entender, essa decisão administrativa resultou no vazamento de dados pessoais (número de telefone e foto). No meu caso, meu número de telefone já é exposto. Está em meu cartão de visita, que mamãe sai distribuindo para todo mundo que encontra por aí na esperança que alguém leia meus textos… |:^p

Mas e para quem quer ter privacidade? Imagine seu número privado sendo distribuído para um monte de gente que você não conhece! Eu achei isso muito estranho e também penso que isso pode ser problemático…

Voltando à história: fui lá, puseram meu número no zapzap deles (e dum monte de gente) e me liberaram. Na prática, fui para perguntarem de novo qual é meu número de telefone. Daí era só aguardar que as instruções para terminar o processo seriam enviadas pelo celular.

Assim, chegando a casa, tive de entrar no zapzap para descobrir onde pegar a tal “Carta de Convocação” (a oficial, não a intimidatória). Segui as instruções, mas não deu certo. Descobri então outro caminho para o tal do “Convoca-e“, o novo sistema eletrônico de convocação de mesários. Nesse terceiro sistema, dei meus dados de novo. Ó, raios, quantas bases de dados esse povo tem?

E, para minha jovial alegria e ditosa felicidade, o treinamento também tem que ser feito por “aplicativo”.

Agora é aguardar a ”festa da democracia” e cumprir minha obrigação cívica. Ou o juiz da comarca ler o que escrevi sobre as eleições. O que vier primeiro.


Editado 24/08/2024: apenas um adendo.

Você sabia que todos são iguais perante a lei? Exceto quando você tem prioridade para votar (ou para qualquer outra coisa).

No caso das eleições, votam primeiro os candidatos, os juízes e os promotores eleitorais (qualquer servidor da justiça eleitoral, na verdade). Mas os mesários são os últimos a votar. Somos arrebatados para o serviço “democrático”, mas só votamos se não tiver mais ninguém na fila, às vezes, só no final do dia.

Mensagem nº 361

“Todas as grandes verdades começam como blasfêmias.”

George Bernard Shaw
Escritor, crítico e político irlandês.
* 26/07/1856, Dublin + 02/11/1950, Hertfordshire.

Documentário sobre a vida dos Amish, feito pela Deutsche Welle

Os Amish são grupos fundamentalistas religiosos cristãos protestantes que moram nos Estados Unidos. Eles vieram emigrados da Alemanha e da Suíça em busca de liberdade religiosa. São muito conhecidos no mundo por rejeitarem a tecnologia e a cultura moderna.

A primeira vez em que tive interesse maior em estudar sobre os Amish foi quando me deparei com o comportamento da comunidade Amish após o fatídico massacre ocorrido em 2006 na escola West Nickel Mines. Foi o comportamento mais cristão de que havia tido notícia.

Os Amish não são perfeitos, no documentário bem é dito que eles têm seus problemas. Mas o fundamento sobre o qual sua comunidade é constituída é algo sobre o que se pensar: “Too much technology disrupts family life.

The lives of the Amish in the US | DW Documentary

A life just as it was 300 years ago: the Amish in the US. They live according to their own rules, reject technological advances, wear old-fashioned clothing and drive horse-drawn carts. An encounter with the Amish is like traveling back in time. Originating from southern Germany and Switzerland, the Amish community brought its culture and language to the New World. Deeply rooted in their faith, the Amish adhere to strict codes and reject modern technology. For outsiders, these rules can sometimes appear strange. They traverse their rural communities in horse-drawn carts, but if a distance is too far, they’re allowed to use a shuttle service. They don’t use telephones unless it’s for business purposes and the device is located outside of the home. Children are expected to help with housework even when they’re attending school. But before they’re baptized as young adults and finally become part of the Amish community, they’re allowed to try what’s called the rumspringa: a period of time when they’re encouraged to behave like regular teenagers – before deciding on which lifestyle they prefer. But those who opt for a conventional, modern existence are exiled. The film sheds light on a fascinating world governed by tradition.

A polarização entre Ocidente e Oriente

Cavando nas profundas minas digitais em meu computador, encontrei um artigo de 2012 falando sobre parte da origem da animosidade de muçulmanos (e outros povos orientais) para com o ocidente. Achei pertinente compartilhar.


Autor: Antônio Gonçalves Filho
27 de julho de 2012
Dois historiadores discutem origens e evolução do domínio europeu sobre o restante do mundo, propondo uma reflexão sobre o fim de uma era marcada pela supremacia da civilização ocidental.

A desconfiança de que estejamos chegando ao fim de 500 anos de supremacia ocidental fez com que dois historiadores da Grã-Bretanha publicassem simultaneamente dois livros que tratam do choque traumático entre duas civilizações, a ocidental e a oriental. Lançados no ano passado [2011], na Inglaterra, esses dois títulos – Guerra Santa, de Nigel Cliff, e Civilização, de Niall Ferguson – chegam agora traduzidos ao mercado brasileiro. No primeiro, seu autor, um jovem crítico inglês que trabalha para o jornal The Times, reconta a história das três viagens de Vasco da Gama ao Oriente no fim do século 15, retratando-o como um aventureiro ambicioso e cruel que buscou não só uma rota alternativa para as Índias. A mando do rei Manuel I, ele embarcou numa cruzada marítima que tinha como objetivo expandir o domínio português e massacrar muçulmanos, então senhores do comércio de especiarias.

No segundo livro, Ferguson afirma que o navegador português e seus homens, vivendo num mundo polarizado pela fé, se dedicaram a um espetáculo de violência inaudita – mutilação de tripulantes de navios capturados, incêndio de naus com fiéis a caminho de Meca – por acreditar que a melhor defesa é o ataque. Havia, segundo Ferguson, um traço de crueldade em Vasco da Gama e nos 170 homens que seguiram esse jovem de 28 anos na aventura de abrir uma rota marítima da Europa à Ásia. Atrás de um mítico rei cristão, que governaria um reino oriental e poderia servir de aliado, eles lutaram contra fortes correntes marítimas para torturar antípodas e banir o Islã, que havia bloqueado o acesso da Europa ao Oriente. Ferguson diz que os homens de Lisboa demonstraram uma brutalidade que até mesmo os chineses raras vezes manifestaram.

O troco pode vir agora, cinco séculos depois: Ferguson não só acredita como aposta no ocaso da supremacia ocidental. Para chegar a essa conclusão, a exemplo do colega Nigel Cliff, fez acurada pesquisa histórica, concluindo que o passado não está morto, mas vivo e atuante no presente. O verdadeiro significado da história, defende, vem justamente dessa justaposição. Cliff parece concordar. Em entrevista por telefone, de Londres, ele identifica certa semelhança entre a auto-imagem que Vasco da Gama alimentou de super-herói lutando contra “infiéis” muçulmanos e aquela que os fanáticos do Islã devem ter de si mesmos, ao declarar uma “guerra santa” contra o Ocidente cristão.

O livro de Cliff recebeu sérias críticas por isso lá fora. Eric Ormsby, numa resenha para o jornal The New York Times, refuta essa idéia de “choque de civilizações”, termo emprestado de um livro de Samuel P. Huntington (O Choque de Civilizações, Editora Objetiva, 1997). Para ele, o verdadeiro conflito do mundo contemporâneo não seria entre o mundo cristão e o Islã, mas entre nossa secular cultura consumista e um esquema mental rígido e absolutista como o muçulmano. O antagonismo entre cristãos e muçulmanos, na época de Vasco da Gama, teria sido puramente mercantilista, acrescenta Ormsby. Afinal, os portugueses, argumenta, caíram de joelhos diante da exuberância das cortes muçulmanas que visitavam. Os muçulmanos, ao contrário, desprezaram a cultura européia, por considerá-la “inferior”.

Nessa viagem em busca de aliados cristãos, os portugueses fizeram, portanto, mais inimigos que amigos. Os muçulmanos haviam penetrado o continente africano e a Índia de maneira mais profunda do que imaginavam Vasco da Gama e seus homens. Ainda assim, quando o navegador chegou ao Oceano Índico, fundando colônias e plantando igrejas em cada ponto do território, a supremacia do Islã foi posta em discussão. A vasta riqueza em recursos naturais – metais preciosos e especiarias -, ao cair nas mãos dos portugueses, diz Cliff, fez Vasco da Gama disparar o “tiro de partida nos longos e plenos séculos de imperialismo ocidental na Ásia”. O historiador classifica de “sonho louco” o da última cruzada – marítima, no caso -, mas diz acreditar que Vasco da Gama e seus seguidores foram movidos por “sincera” fé religiosa.

Essa crença, garante Cliff, era também a do jovem rei Manuel – “ele imaginava que a mão divina impelia as explorações portuguesas”. Portugal, por ser uma terra nascida das Cruzadas, teria injetado na veia messiânica do rei a crença de que o próprio Espírito Santo o tinha inspirado “a inaugurar uma nova era global do cristianismo” em pleno limiar do século 16. Conclusão: o rei expulsou os muçulmanos de Portugal, embora sem conseguir apagar os traços de sua passagem pelo país (que vão das muralhas do castelo de São Jorge às paredes caiadas de branco).

O livro de Cliff não trata apenas do espírito belicoso de Vasco da Gama. Há também passagens engraçadas. Os portugueses nunca tinham ouvido falar de hindus – nem de budistas ou jainistas – até pisar em solo indiano. Já na África, em Mombaça, a cidade queniana fundada por mercadores árabes, os emissários de Gama, segundo o livro, viram na figura de um deus pombo uma representação do Espírito Santo. Em Calcutá, o grupo de desembarque confundiu templos hindus com igrejas cristãs, mesmo com falos esculpidos nas paredes externas. O fato é que sabiam da abominação do culto à forma humana pelos muçulmanos – e respiravam aliviados por não serem aqueles indianos submissos ao Islã e adorar partes do corpo interditas à veneração no mundo islâmico. O resto era detalhe, até mesmo porque as autoridades indianas censuravam discussões sobre religião em Calcutá.

A ignorância acabou levando os portugueses ao outro lado do mundo”, resume Cliff, descrevendo os horrores pelos quais passaram os homens de Vasco da Gama. O comandante não foi capaz de deixar a Índia quando decidiu partir. Seus homens morriam como gado, com pernas e coxas gangrenadas e gengivas infectadas. “Eles tiveram mortes terríveis, mas acreditavam, como o comandante do navio, que eram cruzados de Cristo”, conta. “Esse sacrifício os livraria da mancha do pecado”, lembra o autor, relatando o cotidiano nessas naus dos insensatos, em que fungos tóxicos contaminavam o pão, provocando vômitos e diarréia, e vermes corroíam os traseiros dos navegantes, que inutilmente tentavam se livrar dos bichos lavando o ânus com limão.

Ventos favoráveis, afinal, impediram que todos morressem nessa aventura atrás de especiarias como cravo, canela e gengibre, que esfregavam nas partes íntimas em busca de comichão erótico – se bem que é impossível imaginar tanto sacrifício por um Viagra natural. Não era o caso do comandante, que teve sete filhos.

Vasco da Gama foi de fato um comandante respeitado, por ser intransigente, firme com o inimigo e astuto na hora de fazer barganhas comerciais com os estrangeiros”, define Cliff, revelando que o título Guerra Santa lhe foi imposto por seu editor. “O original era simplesmente As Viagens de Vasco da Gama, mas a editora considerou-o sem apelo”, diz o escritor, afirmando que o objetivo inicial de seu livro, mais que discutir fanatismo religioso, era o de colocar em discussão as diferenças culturais que provocam as grandes tragédias no mundo.

Se você considerar a fundação de Roma, por exemplo, verá que há sempre a força do mito por trás da união de pessoas em torno de um causa.” Com os portugueses, acrescenta, não foi diferente. “Foi a procura de cristãos do outro lado do mundo que motivou Vasco da Gama a descobrir uma cultura diferente, mas foi também sua certeza religiosa que o levou à ruína”, conclui. De fato, o homem que elevou Portugal a um papel de liderança no comércio de especiarias, morreria longe de sua terra natal. Em Cochim. Na véspera de Natal, como convém a um cristão. E de malária, como era comum na Índia.