Lula e a Filosofia

A Filosofia é a ciência do dissenso. É a aversão ao dogma. Se há consenso, não há Filosofia. Filosofia é a busca, não a resposta.

A última ”polêmica do momento” é o corte de gastos para os cursos superiores de ciências humanas que o Governo Federal pretende realizar. Afirma-se que os recursos devem ser destinados ou para a educação básica, ou para a formação científica e profissional superior (exatas, biomédicas) e média (técnicos).

Mais do que natural perguntarem a mim (ninguém perguntou, mas escrevo mesmo assim…), enquanto enveredado e meio perdido ao longo dos caminhos de Direito, Filosofia, Sociologia, Antropologia, História, Educação e afins: o que tenho a dizer sobre isso?

Creio que a análise de outro fato político relevante recente possa contribuir para minha resposta.

Assisti à entrevista de Lula dada à Folha de São Paulo e ao El País; e ela mostra:

Oratória esplêndida, carisma carismaticamente carismático, respostas para todos que quiserem ouvi-las. Pérolas de sabedoria de um homem com trajetória sem igual na história deste país. Sua capacidade política ímpar capta a atenção de seus ouvintes e seu amor inato pelo povo, o afeto de nossos corações. Descobrimos que mesmo a morte de seus familiares e toda a perseguição política influenciada pela ingerência americana não demovem o inabalável líder do partido que mais fez pelos pobres. Pelo contrário, ele, o homem que recuperou o orgulho e a auto-estima dos brasileiros, escolheu ser preso para provar sua inocência e lutar para que nossa pátria seja um lugar melhor…     ಠ_ಠ

Ou é mitômato ao ponto de que realmente perdeu a noção da realidade, ou ”o chefe da quadrilha” ainda não mostrou todo ”o plano B”. ¹

A entrevista (ou discurso) é uma cornucópia para alimentar a fogueira do Planalto. Ele afirma que seu governo criou 100 milhões de pequenos empreendedores (mais do que toda nossa população adulta), que participou do Foro de São Paulo, que está ao lado da “democracia venezuelana” e de Maduro, que precisa reconstruir o país (quem destruiu?).

Em uma coisa, porém, sou obrigado a concordar: ele afirma que o PT é o único partido político de verdade do Brasil; os outros são apenas legendas com interesses difusos. Para mim isso demonstra não apenas a idéia marxista de hegemonia de partido único (como em Cuba, China e Coréia do Norte), mas também, como já escrevi, o PT ser muito bem organizado, com pautas bem definidas.

Ao afirmar que Bolsonaro não conseguirá governar se não criar um partido organizado para si como o seu próprio, ele externa seu modus operandi político, sua forma de pensar, trabalhar e governar. Parece não acreditar que possa haver outro modo, sendo coerente com seus ideais.

E o que tudo isso tem a ver com Filosofia e Humanas?

Certa vez escrevi brevemente sobre minha experiência no curso superior de Filosofia. Há muito mais para falar, mas creio ser adequado a outro momento. Indo direto ao ponto: tal como foi exposto pelo documentário acerca da Ditadura Militar, a metodologia gramsciana de hegemonia cultural para controle da sociedade vem sendo sistematicamente implementada nas universidades públicas brasileiras de longa data.

Em especial os cursos de ciências humanas estão ora evidentemente aparelhados não para a formação de profissionais, mas sim para a solidificação e reprodução irrefletida e acrítica do pensamento marxista, culminando na formação não de especialistas, mas sim de reprodutores de discursos e narrativas de um único viés. E esse aparelhamento partidário-ideológico é nutrido por dinheiro público (nosso dinheiro).

Neste momento, na UERJ, estou fazendo mais um curso: Ética e Filosofia do Direito. A interação e interesse (ou falta dele) demonstrados em sala de aula pelos alunos da casa (a maioria jovens em sua primeira formação acadêmica) indicam claramente a orientação de suas formações educacionais prévias.

Os discursos apresentam pessoas com pouca capacidade crítica e pouca compreensão da matéria em si. Possivelmente habituados a terem respostas prontas previamente construídas, alguns nem ao menos demonstram um esforço intelectual para tentar entender. Ou até, quem sabe, seja uma possível inabilidade de interpretação.

Pouca importância é dada à matéria. As questões levantadas são superficiais e um debate mais profundo mostra-se infértil ou inexistente. Sob essa perspectiva, a mentalidade da próxima safra de operadores do Direito é preocupante. Afinal, supõe-se que formandos em Direito deveriam ter grande interesse por Ética!

Isso exemplifica uma defesa minha muito criticada por meus pares: a de que Filosofia não é para todos. “Filosofia é algo com o qual e sem o qual se vive tal e qual.” Interessante ser apresentada; não exigida. Considero que o pensamento reflexivo, aquele que vai além do cotidiano, sem aplicação prática, advém de vocação. Pouco importa se ”a vida dos vivos é influenciada por filósofos mortos”, ou ”é a mãe da ciência”, ou ”a mais nobre atividade humana”. Se a pessoa não tem o coração voltado para o estudo de Filosofia, não adianta forçar. Ser ”amigo do saber” é, como o nome diz, questão de amizade. E não se força uma amizade, ela apenas se dá.

Mas esse problema é mais sistêmico do que o visto numa sala de aula suburbana. Os ”pensadores”, isto é, os filósofos de carteirinha, sociólogos, cientistas políticos e especialistas da TV são formados na academia. E essa academia é impregnada dos pensamentos pós-moderno, marxista e existencialista. E forma indivíduos para invariavelmente reproduzir especificamente essa narrativa. E focam em indivíduos não na área científica, mas exatamente nas áreas humanas: de artistas, passando por juristas, até jornalistas.

E formando jornalistas hipnotizados, qual o resultado? A entrevista de Lula supramencionada! Talvez nem entrevista, mas sim comício particular do Grande Líder a dois de seus asseclas. Aplaudido à distância por militantes formados em universidades públicas, como talvez parte dos alunos dos cursos de Ética e Filosofia do Direito da UERJ. Futuros advogados e juízes aplaudindo um bandido, entrevistado por jornalistas que, talvez, não estudaram Ética…

Nisto finalmente respondo a pergunta: o que acho de tudo isso? Acho que a estratégia de Bolsonaro está certa. Lamentavelmente o sistema educacional está muitíssimo comprometido, servindo a propósitos escusos à educação. Abordar frontalmente o problema teria muito desgaste e muito esforço. É mais viável repetir o feito em outras frentes: ”desidratando” ao ”fechar a torneira”; cortando a verba governamental. Destinando-a a cursos que preparem trabalhadores à abertura de mercado por que o Brasil intenciona passar nos próximos anos, dá-se um tiro para dois alvos.

Fico triste, mas creio ser um passo importante para combater o marxismo no país.


Em tempo, faço nota em justiça: em meu caso particular os professores de meu curso de Filosofia não trataram em momento algum de questões político-partidárias em sala de aula. Nenhum. Mas tenho ciência de que outros professores da casa, com os quais não tive aula, assim o fizeram. Reitero ainda que as manifestações ideológicas e políticas aconteciam rotineiramente por conta de alunos, centros acadêmicos e organizações estranhas à instituição.

¹ Creio Lula ser culpado por corrupção, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Ele alega que não há provas nos autos do processo que o condenou, mas há mais de 200 páginas de provas testemunhais, documentais e periciais em seu corpo aceitos em segunda instância. Há controvérsias quanto à forma do processo, porém seu teor indica culpabilidade.

Publicidade