Tiago Caridade me enviou um texto para me incentivar a escrever. E acabei escrevendo um texto explicando porque ainda não me sinto à vontade para escrever. Está bastante cru, sem maior trabalho, feito em alguns minutos. Não me senti bem para escrever hoje. Gostaria de considerações dos meus amigos sobre os temas abordados. Talvez alguém de fora possa me dizer o que estou fazendo de errado. Obrigado.
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Rio de Janeiro, 20 de novembro de 2014.
Vivemos numa época que chamo de “Era das Ovelhas”. Como bons quadrúpedes bem pastoreados, ruminando as próprias mazelas, as pessoas perderam as noções de escrúpulo cético, de escrutínio fundamentado e de bravura ideológica. Ou seja, não pensam mais e acreditam em qualquer coisa que lhes digam como veraz; não têm qualquer embasamento sob seus próprios conceitos; e (o que mais me irrita) não tem colhões para defender o que acreditam.
E certamente minha principal defesa é o problema da sociedade atual ser a falta de colhões. Vivemos um processo que o grande filósofo Clint Eastwood chama de Pussyfied Society, ou Sociedade de Maricas, em bom português. Outra grande pensadora, a quem chamo de “mamãe”, diz que *****************************************. Não posso escrever, pois posso ser processado. E essa é a razão porque ainda não escrevo meus artigos.
A sociedade atual é cheia de frescura.
1º As pessoas não sabem mais aceitar NÃO. Grandes empresas de atendimento, bancos (nisto sou testemunha ocular) e lojas não mais confiam sua reputação à boa qualidade de seus produtos e serviços. Isso é caro e diminui o lucro. A solução encontrada foi bajular o cliente. A lambição de saco tornou-se tão comum que as pessoas não mais consideram isso como um agrado, mas como uma obrigação por parte dos outros. E isso se espalhou para todos os aspectos da vida social. A negativa se tornou um palavrão. A frustração por não conseguir o que quer virou uma ofensa. Crianças pirrentas viram adultos pirrentos que em lugar de chorarem pelo brinquedo que não ganharam, abrem processos para tentar ganhar algum em cima.
2º As pessoas se tornaram melindrosas demais. Qualquer coisa é ofensiva, tudo é preconceito, qualquer palavra é uma injúria. Do mesmo modo como não aceitam mais a palavra “não”, também não aceitam qualquer coisa que fira seu delicado ego. Sentem-se reizinhos sentados em seus troninhos e todo o resto do mundo são seus súditos e lhes devem deferência. Temos reis demais para tronos de menos; muitos não-me-toques; uma DITADURA VERBAL do politicamente correto em que uma piada é um ingresso para o xilindró. (O que tornou esta sociedade muito mal-humorada, mas esta é outra história.)
3º Outra característica é a impaciência. Nesta era tecnológica, tudo vem na mão e na hora. A simples idéia de ter que esperar por algo já desagrada a maioria. Fazer esforço então é um absurdo sem tamanho. Levantar para trocar o canal da TV é tão obsoleto quanto esperar pela resposta de uma mensagem de celular. E esse é o ponto ao qual quero chegar.
As pessoas se fecharam em uma bolha tecnológica tal que interagem mais com máquinas do que com outras pessoas. Relacionam-se por meio de máquinas e esperam que as outras pessoas ajam conforme as máquinas com que se acostumaram. Não sei exatamente se o modo de uso das máquinas seguiu a mudança social ou se a mudança social adveio da revolução das máquinas, mas independentemente disso o resultado é o que aí está. Um computador dá a resposta na mesma hora e espera-se que as pessoas também respondam automaticamente. Um computador nunca diz “não” e espera-se que as pessoas também não neguem. Um computador nunca ofende, e espera-se que as outras pessoas também nunca as ofendam.
As pessoas se fecharam completamente ao que é contraditório. Qualquer coisa que lhes seja desagradável, seja por palavras, seja por ações. E esse fechamento ao que é contraditório, ao que é diferente daquilo que gostam, impede qualquer tipo de discussão e esteriliza o terreno sobre o qual se plantam as idéias.
As pessoas esqueceram como conviver. Esqueceram que há mentiras, esqueceram que precisam decidir, esqueceram que precisam raciocinar. Esqueceram que precisam QUESTIONAR o mundo em que vivem. E LIDAR com o que é diferente.
O trabalho social do filósofo é ser o provocador. Provocar discussões, provocar o questionamento, provocar a dúvida. Fazer com que o interlocutor precise repensar suas crenças, repensar seus ideais, repensar seus valores, repensar sua vida. Nem sempre com o intuito de destruir o que era antigo! Repensar não quer dizer negar. Quer dizer aprender a fundamentar. A defender as crenças com embasamentos, tomar ciência das coisas. E não apenas repetir tradições.
Mas ao apresentar o contraditório, as pessoas se sentem ofendidas. Não estão abertas ao diálogo.
Não sou nenhum santo. Também tenho valores que não estão abertos à discussão. Por exemplo, meus amigos sabem que sou radicalmente contrário ao consumo de bebidas alcoólicas. Isso é uma matéria à qual não estou aberto a discutir. O que me refiro é que as pessoas se fecharam para TUDO. Não aceitam mais discutir NADA. Qualquer tema vira polêmica. Isso é ultrajante!
Como se pode esperar que uma sociedade progrida se seus membros não estão dispostos a repensar a própria sociedade em que vivem? E, me parece, as pessoas não percebem o quão perigoso isso é… A falta de convívio social e discussão dos problemas são interessantes para quem está no controle.
Sem discussão não é preciso pensar sobre o que está fazendo, dizendo, nem sobre as informações que está recebendo. Se a quantidade de informações recebidas é muito maior do que se processa, a massa engole tudo o que lê, tudo o que vê, tudo o que ouve, sem maiores critérios. Então, quem controla as informações, pode divulgar o que quiser. E como boas ovelhas, o povo aceita sem questionar.
E sem questionar a veracidade das informações, sem buscar por si algo além do que é dado, não tem como fazer boas escolhas. Escolhas são feitas segundo informações. Se as informações são erradas, as escolhas podem ser equivocadas. E podem ser manipuladas.
E numa sociedade cujas escolhas são feitas por um curral de ovelhas manipuladas e cujas ovelhas se tornaram um bando de maricas que não sabem mais como lidar uns com os outros, não há espaço para abrir o contraditório. Pois ao abrir o contraditório, o status quo acaba por tentar suplantar a diferença. Sem abertura para falar e expor argumentação, não há como questionar o embasamento das crenças, que falei ao princípio.
Para defender as próprias idéias nesse meio, sendo elas divergentes do status quo, é necessário enfrentar grande pressão. Falando claramente, precisa de colhões. Mas expor os próprios colhões numa sociedade auto-castrante, é perigoso. “Você faz idéia do quanto se sangra se te cortarem o escroto?”
Ainda mais se seus colhões, digo, suas idéias, palavras e atos, sua defesa, se suas paixões, seu trabalho, sua vida existirem para exatamente questionar o que aí está… Num mundo em que falar o que se pensa dá cadeia, é difícil um filósofo trabalhar.
Quando alguém é de esquerda, visto a máscara da direita; se alguém é liberal, me faço conservador; tradicionalista? me faço revolucionário!; academicista ou informal conforme o interlocutor; anarco-totalistarista: eu sempre visto a máscara do contrário daquilo que a pessoa espera. E com isso a forço a lidar com seu contrário.
Esse expediente prático serve para ver até que ponto a pessoa conhece as próprias idéias que defende. Pois é bem fácil dialogar com quem se concorda. Mas se você tiver suas idéias confrontadas por quem discorda, precisa bem fundamentar o que defende. E ao ter os fundamentos das suas crenças questionadas, você tem a oportunidade de ver se são válidos ou não. Se precisa mudar ou não.
Sinto que as pessoas esqueceram o valor do debate. Que o progresso das idéias e a criação de novos pensamentos vêm do questionamento do que aí está. Transformam o debate numa discussão. Não entendem que um debate é um instrumento para que ambos os lados cresçam e se aprimorem. Que é um instrumento para buscarmos a verdade social humana. Ao transformar o debate numa discussão, as pessoas não mais se interessam em buscar a verdade ou solução para os problemas. Estão mais interessadas em “vencer” a discussão. Mostrar que sabem mais sobre um assunto. Cantar aos ventos que está com a razão. Ou apenas falar mais bonito.
Parece que têm gosto em ouvir a própria voz, numa postura intelectualmente masturbatória, em que o prazer da vitória da discussão é maior do que aquilo que pode aprender com o outro. Vivem como ovelhas preocupadas em ruminar seu próprio pasto.
Pedro Figueira
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Vou contar algumas histórias que me aconteceram, para exemplificar.
(A) Certa vez na faculdade, o Luciano me apresentou um colega dele que é de politicamente de esquerda. Conversa vai e vem, ele começou seu discurso de defesa socialista. Cansado da mesma ladainha vermelha, o instinto de provocação aflorou. E afirmei que era favorável aos movimentos de direita. Ele então perguntou se eu era favorável ao regime militar ao que respondi secamente “Sim”. Com um esforço sobre-humano para não cair na gargalhada, e perder a máscara, o vi calar-se sem nenhum outro argumento para defender sua postura.
A defesa dele se baseava exclusivamente no apreço emotivo dado à comparação dos regimes, não aos benefícios ou malefícios dos mesmos. Essa defesa é fraca e não deve embasar uma discussão cujos impactos sociais são tão grandes.
(B) Algo similar aconteceu na repartição do meu trabalho. Lá, um colega estava defendendo com o mesmo discurso de esquerda as invasões à propriedade privada feitas por sem-teto. Resolvi questionar seu discurso com a máscara da defesa de um regime de direita extremada. Resultado: silêncio.
E o mesmo vale para tudo. Quando alguém defende as relações de subserviência dentro da Academia eu escracho; quando uma mulher defende o feminismo eu escracho; quando alguém defende qualquer coisa eu escracho. E a resposta é invariavelmente o silêncio.
E me sinto estagnado assim. Afinal, as pessoas têm medo de defender o que acreditam ou realmente não têm fundamento algum para suas crenças?