Desde 2004 eu não vou ao cinema. Antes cinéfilo contumaz, devorador assíduo de cinedramaturgia em seus vários gêneros, vi-me completamente enfadado pelos novos títulos. Nada mais me chamava a atenção. Sinto que desde Matrix (1999) não há mais filmes, apenas efeitos especiais maquilados por um enredo ”necessário”. O primeiro caso que me vem à mente é Another Earth (2011). É realmente necessário enfiar artificialmente ficção científica num enredo dramático? Quando o efeito é o protagonista e o enredo apenas coadjuvante, qual o intuito da obra?
O cinema se tornou escatológico. Human Centipede (2009), A Serbian Film (2010), Melancholie Der Angel (2009). Travestidas de ”provocação”, obras (se é que podem se chamar assim) que apenas provocam repugnância são catarse coletiva de mentes coletivas, sem indivíduo, individualismo ou individualidade, sem criação ou criatividade, feitas com o propósito de chocar por chocar, sem mensagem a passar.
Ou o cinema se tornou autofágico. Incapazes de criarem coisas novas, estúdios abraçaram as velhas fórmulas, dissimulando o novo ao repetir enredos batidos, ou descaradamente relançando filmes consagrados (remakes). De Total Recall (2012) a Rei Leão (2019) exploram o saudosismo e a memória afetiva do público cativado de outrora. Ao menos os romances Hallmark não escondem o que são…
Ou ainda o cinema se tornou comercial. Filmes feitos para o rápido consumo de adolescentes ou chineses (Anthony Mackie, 2017, MCM London Comic Con). Não são mais produzidos filmes com o ator A, ou diretor B. São produzidos super-heróis computadorizados, franquias (o nome representa o modelo comercial) que começaram em livros e que viraram filmes e jogos, ou qualquer coisa para agradar o governo chinês.
Anthony Mackie Explains Why Hollywood Movies Suck Now | Red Carpet News TV
Além disso tudo, temos a corrupção da cultura passada. Vemos ícones consagrados da cultura popular sendo infiltrados e depravados por uma clara agenda ideológica neomarxista pós-moderna que os submete às suas pautas. Feminismo, homossexualismo, racismo e outros temas em nada relacionados com o enredo original são inseridos sem contexto ou necessidade, tão somente para consonar a um público-alvo específico. E, quando os aficionados manifestam seu descontentamento, quando dizem que não gostaram do resultado, ou tão somente desaprovam o conteúdo, são automaticamente intitulados retrógrados ou acusados de crimes contra a humanidade.

Nestas duas décadas não acompanhei mais a grande mídia cinematográfica. Restringi-me a assistir pequenos trechos de filmes que porventura chamassem minha atenção. Cenas de ação, aventura, comédia etc. Os chamados ”clips”. Para mim me bastam somente esses curtos segmentos mais importantes, tal como uma criança que come somente o recheio do biscoito. Foram raríssimos os filmes que vi. A Órfã (2009) foi brilhante. A Dama de Ferro (2011), decepcionante. Prefiro curta-metragem: curtos filmes em que a mensagem é passada o mais rapidamente possível e sobre ela posso imediatamente exercer juízo de valor.
Em lugar de assistir e perder o precioso tempo em que poderia estar olhando para uma parede, optei por algo muito mais simples: ler. Passei a não mais assistir a filmes, mas a ler suas sinopses na Wikipédia. E nestes últimos vinte anos li todo tipo de filmes, esperançosamente aguardando algo que me agradasse, sem muitas satisfações.
Assisti muitas (muitas) animações, em muito admirado pelo trabalho e dedicação para produzi-las, mas também decepcionado pelo enredo lamentável que elas apresentam. ”Award Winning” é quase sinônimo de ”final ruim” ou ”historieta melancólica”. Mostrando que são laureados/recompensados aqueles que produzem as histórias mais infelizes, estimulando o cultivo de mais tristeza no mundo… Eu tomei a decisão em minha vida pessoal de rejeitar o que não é belo. Repudio os finais tristes. Para entrar em minha vida, só aceito o que é bom. Só que parece que violentar a psiquê dos personagens em um enredo depressivo é ponto comum entre os animadores contemporâneos.
Recentemente o Youtube vem permitindo os chamados ”recaps”, sumários em que um narrador conta o filme em pouco mais de dez minutos. Em lugar de perder de uma (1) a três (3) horas vendo um filme, o espectador pode ver o sumário de toda a narrativa. Assim é possível saber o conteúdo de seis ou sete filmes no período em que assitiria a apenas um (1) em sua integralidade. E comecei a encontrar algumas coisas interessantes, outras nem tanto. Até que me deparei com o filme mother! (2017), de Darren Aronofsky.
O fato de a Academia Americana de Cinema ter agraciado The Shape of the Water (2017), também conhecido como “O monstro da lagoa negra taradão“, e não ter ao menos cogitado mother! para nomeação demonstra a tendência dos estúdios e não surpreende. Os críticos de arte gostaram bastante, mostrando a dissonância entre a arte cinedramatúrgica e a academia (leia-se: grande mídia).
O grande público também não gostou de mother!. Eu também esperava por isso, por conta do enredo. Mas o que me chamou a atenção, a minha surpresa, foi que o teor do enredo não foi a causa de o público não ter gostado. O público não gostou porque não entendeu o filme!
Neste mundo em que toda a informação precisa ser pacientemente mastigada e vomitada na garganta do passivo espectador, em que a pessoa não tem mais que fazer o mínimo esforço para obter a informação superficial que busca, em que o indivíduo tem preguiça de pensar, em que o quoeficiente intelectual médio da humanidade está caindo, eu vi as pessoas pedirem para que outros lhes expliquem do que o filme se trata. E os que explicam ainda dizem que também não entenderam e apresentam somente suas ”suposições”.
O filme é uma alegoria ao egocêntrico deus bíblico e ao homem, um feito à imagem e semelhança do outro, uma crítica ao mal que a humanidade faz ao mundo e à perversidade em cada ser humano. Uma crítica à futilidade do esforço de uma minoria bem intencionada frente às hordas ensandecidas. Considerando que a população ocidental é majoritariamente cristã, o filme é evidentemente uma provocação ética e moral sobre os preceitos religiosos. Mas as pessoas não entenderam a metáfora… Como que não entenderam a metáfora???
A atuação de Jennifer Lawrence foi brilhante, ela entrega a emoção na dose perfeita conforme o texto. Do egoísmo divino e mundano à transubstanciação, o filme está bem costurado. Toda comunicação exige dois lados. O que fala e o que escuta. É lamentável ver que os parcos brilhantismos da cinedramaturgia hodierna recaem sobre a estéril mente de espectadores alienados.
E assim percebo que não é a arte que foi ”corrompida”. Ela tão somente está de acordo com o público que a consome.
You never loved me, you just loved how much I love you. I gave you everything. And you gave it all away.
Mas nem tudo está perdido. Ao menos todos concordamos que Cats (2019) é uma aberração…