4ª vez

Poucas pessoas no mundo podem se dizer perseguidas pelo próprio carma. Menos ainda podem dizer que suas cabeças são alvos para o fiofó de aves.

Orgulhosamente (ou não) até o presente momento fui alvo de 19 cacas de pombo. Fora o incontável número de vezes em que consegui escapar. Quantas pessoas podem contar tal fato? E não são cacas básicas, refiro-me a diarréias voadoras, em volume suficiente para crer em vacas aladas.

Recordo-me claramente da primeira caca. A primeira a gente nunca esquece. Estava a caminho da escola quando um urubu ungiu-me de bosta de cima a baixo. Isso mesmo: um urubu. Eu morava numa área muito suja e vários urubus se alimentavam por lá. E, como o que entra uma hora há de sair, ele resolveu aliviar-se em pleno vôo, tal como um hábil bombardeiro, intencionalmente mirando meu belo couro cabeludo. (Naquela época eu ainda tinha cabelo.)

Desde então meu cocuruto é perseguido pelos penosos. E isso não é paranóia, eu os vejo claramente voando em minha direção, deliberadamente desviando suas rotas, premeditando seus ataques, conspirando entre si, com o propósito explícito de sobrevoar meu quengo e untar-me com suas fedorentas excreções.

Isso me leva a usar constantemente chapéu. É muito difícil me verem na rua sem ele. O que não quer dizer muita coisa. A caca nº 16, por exemplo, ocorreu num ponto de ônibus. Saindo do treino de levantamento de peso, fui para o ponto e, como estava com calor, tirei o boné. Nesse exato instante tomei uma das mais violentas barrigadas voadoras. Até achei que era outro urubu, mas a bosta tinha um fedor característico diferente. Era um pombo mesmo, e aparentemente estava bastante entupido. Uma bondosa senhora emprestou-me seu lenço para eu me limpar e obviamente não o aceitou de volta.

Ele me perseguiu por um tempo. Tenho certeza absoluta de que era o mesmo pombo. Não confundiria aquele traseiro…

Já na caca nº 9 também dependi da boa vontade de estranhos. Não tão volumosa, mas tão fedida quanto, acertou-me no ponto final de outro ônibus. Sem ter como me limpar, roguei para o dono de uma lojinha se eu poderia usar o banheiro. Embora apenas para funcionários, ele apiedou-se de minha inusitada situação e permitiu que eu lavasse a cabeça na pia de lá.

Meu carma voador é motivo de hábitos incomuns, como sempre olhar para cima à procura de cagões, desviar-me de rolinhas e memorizar onde ficam os ninhos de aves da cidade (sim eu memorizei dezenas de áreas de risco e as classifiquei conforme índice defecatório).

Além de meu carma voador, tenho também meu carma terrestre: escadas. Minha kryptonita particular, escadarias são responsáveis pelos meus piores acidentes. Meus traumas psicológicos e físicos causados pelo meu fatídico relacionamento sexual com escadas (elas sempre me fodem) são por vezes impeditivos de ter uma vida razoavelmente normal.

Eu odeio escadas

As duas primeiras quedas foram na escola. Na primeira eu caí de frente e ralei muito bem ralados ambos os joelhos. Na segunda eu rolei feio. Estava saindo de uma aula com o Prof. Risovaldo quando tropiquei. Só que a Andréa estava bem na minha frente e, para me desviar dela, joguei meu peso para o lado. Como resultado, rolei alguns degraus e dei com a cabeça na parede. Levei alguns instantes para me recompor e levantar. Aparentemente sobrevivi, eu acho.

A terceira vez já contei, foi quando estourei o pé esquerdo, fiquei de gesso um tempão e agora tenho dificuldade (motora e psicológica) de descer escadas. Uma sacanagem: em nove meses se forma um ser humano completo; daí você vira adulto e não conserta mais…

E hoje, pela quarta vez, me arrebento na escada, desta vez na escada de casa. Gilmar a conhece e sabe que a escada do meu prédio foi matematicamente projetada pelo demônio. Ela existe com o único propósito de dificultar a minha vida. Não passa nenhuma mobília, lavá-la é um sofrimento e os bocéis são um convite ao estabacamento.

E foi o ocorrido: subindo nossa trombolhosa TV, meu chinelo prendeu no último bocel e ao chão fui. A TV amorteceu a queda segurando meu queixo e me envergando ao contrário.

Uma relaxante posição para ver TV

Cortei fundo meu dedo, quase à profundidade das veias e, tal como o infante Gautama, estou com o dedinho apontado para os céus. Este texto todo escrito com a mão direita em 50 vezes mais tempo do que o normal…

Dedões dos pés e joelhos roxos, uma mãe traumatizada, um dedo esfolado enfaixado e a coluna que ainda não havia se recuperado plenamente dizendo olá. Pelo menos a TV ainda liga (e está dando choque).

Daí minha mãe inventa que acha que esqueceu a mangueira do quintal aberta. E quem é o fodido que tem que ir lá ver? De gatinhas, gemendo de dor, desço para verificar. Estava fechada. Puta que pariu. E, gemendo de dor, subo para publicar mais esta anedota de minha vida.

Sério, o lado direito estava dolorido por conta de minha hérnia de disco, e agora o esquerdo o acompanha. Que fase… |:^/