Produto/serviço vendido e o desejo de consumo

Editado em 29/12/2020: pequenas correções gramaticais e acréscimo ao final.

Fantasia Marcial: Estereótipos e histórias mal contadas | Núcleo Dharma

Concordo e gostaria de compartilhar uma experiência correlata:

Há alguns anos, convidado por um amigo, fui para um estúdio (Mo Gun) de Wing Chun. (Mo Gun em chinês, Dojo em japonês, estúdio em português) Sempre tendo desejado aprender artes marciais desde pequeno e agora já sendo dono de meu próprio nariz, aproveitei a oportunidade como adulto.

Lá chegando, minha primeira experiência foi bastante interessante, pois o local e o treinador tinham (têm) toda uma roupagem ultra-tradicionalista, com símbolos chineses, genealogia completa, fotos de um monte de orientais etc. A imagem era (é) exatamente o que um leigo espera ao adentrar pela primeira vez um local de treino: um portal de teletransporte para a China. E tal linhagem faz questão de se diferenciar dos demais estilos e escolas concorrentes tanto na estética quanto nos costumes e no comportamento esperado do praticante. Levam seu nome bem a sério.

Só que…

A ideologia apóia-se exatamente no discutido em outros vídeos do canal acima: ”no ouvir dizer”, ”na tradição oral”, ”na autoridade do mestre” etc. Como filósofo, a impossibilidade de questionar e aferir dados é um empecilho para abraçar uma idéia ou aceitar um argumento. Como halterofilista, tenho uma personalidade do tipo ”vai e faz”. Portanto um pensamento ou atividade que se sustenta em subterfúgios ou na abordagem indireta de um problema não me atrai. Então parei com poucos meses de treino (o que lá ”deve ser sempre chamado de prática, nunca de treino” – ”porque o mestre prefere assim”).

Disso posto, a experiência: certa vez, meu mestre (ou melhor ”facilitador, pois o mestre de verdade era o mestre dele e não ele mesmo”) estava falando de costumes chineses e repassando o melhor meio de abordagem de uma situação segundo a escola. Então eu o questionei, dizendo: “—’Tá, mas não estamos na China, nem somos chineses. Estamos no Brasil e somos brasileiros. Aqui a gente faz diferente.”.

Essa minha crítica sempre foi respeitada naquela escola, nunca fui posto de lado ou tratado de forma diferente. Pelo contrário, eu gostei e ainda gosto muito de lá (fui e ainda sou muito bem tratado). Mas minha própria natureza não se adequou aos ensinamentos e optei por sair. Com isso quero dizer que o problema não está na academia, no mestre ou no sistema. Muito menos no praticante, neste caso eu mesmo. O problema está na sintonia entre o que é passado e no que é esperado. No ensinamento e no anseio do aluno. No produto/serviço vendido e no desejo de consumo.

Não há exercício ruim, há exercícios que não servem para aquela pessoa. Não há arte marcial ruim, há arte que não funciona para aquela pessoa. Ou que não é boa para ela, especificamente. Por exemplo: o sujeito quer a vida toda ser boxeador, mas ele é um péssimo pugilista. Ocorre que ele é um ótimo nadador! Então ele tem duas opções: pode se dedicar muito a uma coisa que não lhe serve bem e obter resultados medíocres; ou pode se dedicar muito a algo para o qual tem dom e ser excelente naquilo.

Outro exemplo: o indivíduo quer muito praticar Muay Thai, um estilo desportivo baseado em golpeio. Mas o dom dele é para Jujutsu tradicional, um estilo não-desportivo baseado em imobilização, submissão e armas brancas.

As artes marciais são para todos, mas nem todos são para as artes marciais.
Os estilos são para todos, mas nem todos são para determinado estilo.

É a sintonia entre o aluno e o estilo, entre o praticante e a arte, entre a vontade e o dom que determina o sucesso de uma longa empreitada.